21 junho 2021

Casos de Covid entre agentes penitenciários são 50% maiores do que na população de SP



Incidência da doença é de 12% no grupo, contra 8% na população do estado. Segundo Defensoria Pública, unidades prisionais sofrem com falta de água, equipes de saúde e de kits de higiene.


Por Amanda Lüder, Globonews

20/06/2021 23h53 Atualizado há 11 horas





Defensoria Pública de SP denuncia condições precárias de saúde em prisões



“Minha mulher estava grávida, eu tinha medo de acontecer alguma coisa com a bebê. Teve semanas que fiquei fora de casa, pedi para ficar na casa de colegas”, conta o agente penitenciário Alancarlo Fernet. Há 14 anos, ele trabalha dentro de penitenciárias. “É uma situação horrível devido ao medo que você tem de levar para casa. Só de falar nisso eu engasgo porque é muito sério”, desabafa.


Mais de 4 mil agentes penitenciários, antes conhecidos como agentes penitenciários, já testaram positivo para a Covid-19, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Isso significa que 12% desses profissionais já tiveram a doença. Na população total do estado, a incidência de casos é de 8%. Ou seja, nessa categoria profissional, a incidência de casos de Covid-19 é 50% maior do que na população em geral.



"Um colega pegou Covid, foi para casa e acabou passando para a família toda. No final, a mãe dele acabou falecendo. É bem triste", relata o agente Fernet.


O médico intensivista e chefe da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Jaques Sztajnbok, explica que ambientes como o das penitenciárias favorecem a propagação do vírus. "Com proximidade física, sem condições de isolamento e com pouca ventilação, basta um caso de qualquer doença de transmissão principalmente respiratória que você tem um surto dentro daquele ambiente", afirma o especialista. "Esse surto pode vir de visitas externas, do próprio funcionário ou de um novo detento admitido que esteja em fase de transição da doença", diz o médico.


Durante a pandemia, as visitas presenciais de familiares e advogados foram suspensas entre março e novembro. Depois, foram retomadas e suspensas novamente em fevereiro deste ano. Elas seguem sendo realizadas virtualmente.


Entre os mais de 211 mil detentos distribuídos nas 178 unidades prisionais do estado, quase 15 mil testaram positivo para Covid-19 de acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária. Foram 62 óbitos entre os detentos, e 113 mortes de servidores penitenciários. Mas especialistas apontam para a subnotificação de casos.


“Não é uma testagem em massa. Não é uma testagem semanal feita no sistema inteiro, e se a gente pensar que as pessoas que estão presas hoje não são as pessoas que estavam presas 15 meses atrás, a gente pode observar que essa testagem feita pelo estado é irrisória ”, diz o defensor público Mateus Moro.



A Defensoria Pública entrou com uma ação, obtida com exclusividade pela Globonews, com pedido de assistência individual de saúde para mais de 200 detentos de uma unidade prisional da capital paulista. Pelo menos sete deles tinham sintomas de covid-19 e afirmam não ter recebido nenhum atendimento médico. Mesmo sintomáticos, eles continuavam dividindo cela com outros presos.


Em outra unidade da capital, durante uma vistoria, a defensoria encontrou um preso que testou positivo para covid-19 e foi isolado. Ele mostrou aos defensores que a cela estava cheia de lixo e afirmou haver presença de ratos.


Segundo o Secretário de Administração Penitenciária do Estado, Coronel Nivaldo Cesar Restivo, presos que apresentam sintomas são imediatamente isolados do resto do convívio. "Os servidores fazem o monitoramento para verificar a evolução desses sintomas, porque pode ser um sintoma que se confunde com covid-19", afirma. “É pouco crível que tenhamos uma pessoa com sintomas sem que ela seja retirada do convívio para que seja tratada, porque isso vai nos trazer um problema muito maior do que se deixássemos a pessoa no convívio.”


Ao menos 719 presos da Penitenciária II, em Sorocaba (SP), tiveram resultados positivos para Covid-19 — Foto: Secretaria da Administração Penitenciária/SAP





Vacinação e testagem


Os agentes penitenciários entraram no calendário de vacinação contra o novo coronavírus em abril. Entretanto, os presos não foram vacinados. “Se você vacinou os funcionários e os coloca para trabalhar num ambiente fechado, pouco ventilado e com risco de novos casos, você também está expondo, mesmo esta população vacinada, adoecer novamente”, afirma o chefe da UTI do Instituto Emílio Ribas, Jaques Sztajnbok.


“Entre os presos, alguns idosos foram vacinados e alguns casos de comorbidade. Mas sem equipe de saúde dentro das penitenciárias, os presos não conseguem o documento de comorbidade para vacinar. Testagem e vacinação seriam primordiais”, afirma o defensor público Moro.


Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária, o sistema já fez mais de 167 mil testes de covid-19 na população privada de liberdade, além de 24 mil testes em servidores penitenciários.




Problemas antigos pioram a situação da covid-19

Segundo o defensor público especializado em situação carcerária Mateus Moro, a pandemia acentuou os problemas já enfrentados pelas penitenciárias. “A gente tem visto uma série de violações de direitos durante as inspeções”, afirma o advogado.


De acordo com um levantamento realizado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, 85% das unidades prisionais inspecionadas estão fazendo racionamento de água. "A gente entra nos locais de aprisionamento, gira a torneira, gira o chuveiro, e não sai água. Eu não sou engenheiro, mas é difícil que um local que foi construído para ter 700 pessoas e tenha 2 mil pessoas tenha água para todo mundo", afirma Moro.



A superlotação é outro problema encontrado durante as vistorias feitas nas unidades prisionais. “Cela que é para ter oito pessoas, tem 20. Cela para 12 pessoas, tem 30, 40”, conta o agente penitenciário Alancarlo Fernet.


Além disso, 70% das unidades inspecionadas não contam com uma equipe de saúde. Desde 2003, o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário prevê uma equipe mínima em todas as unidades com mais de 100 detentos. Ela deve ser composta por médico, enfermeiro, odontólogo, assistente social, psicólogo, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário.



"O sistema prisional, na verdade, é invisível para os trabalhadores, para a sociedade, para o governo. Tanto os trabalhadores como os sentenciados. E a pandemia só veio evidenciar este abandono", afirma o presidente do Sifuspesp (Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo), Fábio Jabá.




Sobre o uso da água, a Secretaria de Administração Penitenciária informa que não existe racionamento, e sim o uso racional de água. A pasta afirma que o sistema atende os 100 litros mínimos de água por pessoa segundo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde.


O secretário Restivo também afirma que nenhum preso fica sem atendimento à saúde. “Esse atendimento pode ser feito pelas equipes de profissionais da secretaria dentro dos presídios, ou no convênio com os municípios, quando eles oferecem uma equipe de saúde e o estado faz um repasse mensal para arcar com essas despesas. Se não houver essas duas alternativas, ainda assim o preso é atendido na rede pública de saúde local", explica.



Sobre a superlotação, o Secretário de Administração Penitenciária afirma que existem mais custodiados do que vagas disponíveis. E diz que, apesar de haver penitenciárias em que existe 175% de ocupação, o Estado tem média de 39% de sobrepopulação carcerária. "O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária estabelece que é tolerável uma sobrepopulação de 37,5%. Nós estamos muito perto do aceitável pelo conselho", diz. "Temos um problema, mas com a inauguração de mais seis unidades prisionais previstas, ele está muito próximo de solução."


Fonte G1

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