14 agosto 2015

Juízes podem ordenar obras em presídios, decide plenário do Supremo









Lewandowski disse que Judiciário deve “assumir o status de um poder de Estado, sobretudo quando o Executivo está absolutamente omisso”


BRASÍLIA – Decisão tomada nesta quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dá a juízes de todo o país o poder de determinar que o poder público realize reformas em presídios, para garantir a integridade física e moral dos detentos. Foi julgada hoje uma ação na qual o Ministério Público denunciou à Justiça do Rio Grande do Sul o estado de precariedade do presídio de Uruguaiana. O juiz da primeira instância determinou a reforma do local, porque as instalações eram precárias. O recurso do governo gaúcho chegou ao STF, que legitimou a decisão do juiz. O caso tem repercussão geral – ou seja, juízes que examinarem processos semelhantes devem tomar a mesma decisão.




O relatório do Ministério Público informa que o presídio de Uruguaiana tinha as instalações elétricas aparentes, banheiros em péssimo estado, umidade excessiva, esgoto a céu aberto e parte do telhado estava cedendo. Um detento morreu eletrocutado, devido à situação precária. Em 2007, o juiz local deu prazo de seis meses para os problemas serem resolvidos, mas recursos a instâncias superiores impediram realização da reforma.

Na sessão de hoje, ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF e relator do processo, considerou que o Executivo não tem se dedicado a resolver a crise no sistema penitenciário. Por isso, seria dever o Judiciário tomar a frente do caso. Para ele, o juiz tem a obrigação de agir em caso de omissão das autoridades competentes, especialmente se o caso representa risco à vida e à dignidade dos detentos. A decisão abre caminho para obras emergenciais – não para a construção de novos presídios ou reforma de locais que sejam considerados habitáveis.

— É chegada a hora do Poder Judiciário assumir o status de um poder de Estado, sobretudo quando o Executivo está absolutamente omisso na questão dos presídios — declarou Lewandowski.

— Se o Estado se arroga no poder de privar essas pessoas de liberdade, tem evidentemente de exercer o dever de proteção dessas pessoas que estão sob a sua guarda. O Judiciário não só pode como deve interferir para determinar a realização de obras em presídios cuja situação seja atentatória à dignidade da pessoa humana — concordou Luís Roberto Barroso.

— Esse chavão de que não cabe ao Judiciário imiscuir-se quando se trata de politica publica não pega — completou Marco Aurélio Mello.

Por unanimidade, os ministros do STF declararam que, diante de uma situação emergencial, o poder público não pode alegar a falta de orçamento para realizar reformas em presídios.



— Não é falta de verba, é falta de vontade política! — protestou o presidente da Corte.

Antes do julgamento, a representante da Advocacia-Geral da União, Grace Maria Fernandes, ponderou que a intervenção pontual de juízes na reforma de presídios pode prejudicar a programação dos estados e municípios para gastos públicos. Para ela, a solução do problema seria o Legislativo discutir uma reforma em todo o sistema prisional brasileiros. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu o dever do Judiciário na defesa da dignidade dos presos, em respeito à Constituição Federal. Ele disse que as prisões do país são “de fazer inveja a enxovias medievais”.

— Pessoas condenadas à pena privativa de liberdade não estão compelidas, no Estado Democrático de Direito, a perder nem a dignidade, nem a vida. Nesses casos, é imperiosa sim a intervenção do Poder Judiciário, para garantir direitos fundamentais explícitos na Constituição Federal, respeitados e garantidos os direitos fundamentais dos cidadãos presos — disse o procurador.




V O T O


O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator):

  1. Resumo da controvérsia

A controvérsia central deste recurso extraordinário está em saber se cabe ao Judiciário impor à Administração Pública a obrigação de fazer, consistente na execução de obras em estabelecimentos prisionais, a fim de garantir a observância dos direitos fundamentais de pessoas sob custódia temporária do Estado.

Em palavras distintas, indaga-se a esta Suprema Corte se, tendo em conta as precárias condições materiais em que se encontram as prisões brasileiras, de um lado, e, de outro, considerada a delicada situação orçamentária na qual se debatem a União e os entes federados, estariam os juízes e tribunais autorizados a determinar ao administrador público a tomada de medidas ou a realização de ações para fazer valer, com relação aos presos, o princípio da dignidade humana e os direitos que a Constituição Federal lhes garante, em especial o abrigado em seu art. 5º, XLIX [1].


  1. Situação fática e jurídica sob exame

Como é cediço, uma vez submetido algum recurso extraordinário à sistemática da repercussão geral, as teses nele fixadas servirão de baliza à atuação das demais instâncias do Judiciário em casos análogos. Daí a necessidade de analisar-se a questão nele debatida de forma abrangente, abordando, tanto quanto possível, todos os seus aspectos fáticos e legais.

Consta dos autos, de forma inconteste, que a situação em que se acha o Albergue Estadual de Uruguaiana é efetivamente atentatória à integridade física e moral de seus detentos.

Com efeito, não foi objeto de qualquer disputa, ao longo de toda a tramitação do feito, o precário estado de conservação das instalações do referido estabelecimento prisional.

Da mesma forma não foi rebatida, em nenhum momento processual, a afirmação segundo a qual os detentos estão permanentemente expostos a risco de morte em razão das péssimas condições da fiação elétrica do citado Albergue, havendo notícia, inclusive, de que um dos presos perdeu a vida por eletrocussão.

A fim de ilustrar tal conjuntura, colho das contrarrazões à apelação, apresentadas pelo Ministério Público gaúcho, em 22/10/2007, a seguinte assertiva:

“O quadro geral do Albergue de Uruguaiana está descrito no relatório elaborado pelo Conselho Penitenciário (doravante CP) da própria Secretaria Estadual da Justiça e Segurança, juntado no Inquérito Civil Público. O CP inspecionou o local no dia 04 de outubro de 2004. O relatório destaca os seguintes problemas estruturais do prédio:
  1. O local é visivelmente inapropriado para habitação, pois possui umidade exacerbada e há grande concentração de pós, o que o torna insalubre;
  2. O banheiro do alojamento encontra-se em péssimo estado, necessitando de reforma urgente;
  3. As instalações elétricas estão visíveis, porque não existe teto;
  4. Parte do telhado está cedendo.
O CP conclui que as condições estruturais do Albergue ‘não podem perdurar’ porque ‘põem em risco a vida de funcionários e apenados’.
Alguns desses problemas já haviam sido detectados na inspeção realizada pela Corregedoria-Geral do Sistema Penitenciário em fevereiro de 2004. No relatório dos corregedores consta a avaliação do então promotor de Justiça que atuava na Vara de Execuções Criminais a respeito de sua ‘péssima impressão quanto aos aspectos físicos dos alojamentos do albergue, ocasionando precárias condições para o convívio humano’, existindo inclusive menção sobre a intenção de promover a interdição da casa prisional (fls. 353-354 – grifos meus).

Nesse contexto, após regular instrução do feito, o juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Uruguaiana/RS, em 2/7/2007, condenou o Estado do Rio Grande do Sul a

“(…) realizar, no prazo de 06 (seis) meses, obras de reforma geral no Albergue Estadual de Uruguaiana, de modo a adequá-lo aos requisitos básicos da habitalidade e salubridade dos estabelecimentos penais, quais sejam:
  1. a) conserto dos telhados onde há infiltração e umidade;
  2. b) instalação de forro sob o telhado em todos os dormitórios;
  3. c) conserto de janelas e substituição de vidros quebrados;
  4. d) conserto das instalações hidrossanitárias, especialmente de canos com vazamentos, e dos esgotos abertos no pátio;
  5. e) adequação das instalações elétricas, especialmente dos fios e tomadas aparentes;
  6. f) revestimento das áreas molhadas (paredes dos banheiros, etc.) de maneira que fiquem lisos, laváveis e impermeáveis” (fl.333).

Cumpre registrar, por oportuno, que o próprio Tribunal de Justiça gaúcho, reconheceu, em seu acórdão, que a situação degradante a que estão submetidos os detentos do Albergue Estadual importa em patente desrespeito à sua dignidade pessoal.

Apesar de haver constatado tal atentado aos direitos dos presos, por ocasião da análise do mérito da questão, entendeu aquela Corte ser

“(…) diversa a carga de eficácia quando se trata de direito fundamental prestacional proclamado em norma de natureza eminentemente programática, ou quando sob forma que permita, de logo, com ou sem interposição legislativa, o reconhecimento de direito subjetivo do particular (no caso do preso), como titular de direito fundamental.
(…)
Para além disso, sua efetiva realização apresenta dimensão econômica que faz depender da conjuntura; em outras palavras, das condições que o Poder Público, como destinatário da norma, tenha de prestar. Daí que a limitação de recursos constitui, na opinião de muitos, no limite fático à efetivação das normas de natureza programática. É a denominada ‘reserva do possível’.
(…)” (fl. 377, grifos meus).

Tal é a situação fática e jurídica sujeita à apreciação desta Suprema Corte.


  1. Pena como medida de ressocialização

A regra geral que comanda a vida nas sociedades democráticas é a mais plena liberdade de agir dos indivíduos. Tudo aquilo que o ordenamento legal não proíbe é lícito realizar, especialmente no campo dos negócios entre particulares. Esse postulado encontra-se consubstanciado, dentre outros, no art. 5o, II, da Constituição Federal, de acordo com o qual “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Existem, todavia, certos comportamentos que colocam em risco o relacionamento harmônico entre os membros de uma comunidade, botando em xeque a própria paz social. São ações que podem causar – e não raro causam efetivamente – lesões graves e, até mesmo, irreparáveis à vida, à incolumidade física e à honra das pessoas. Outras vezes acarretam danos ao patrimônio público ou privado. São atitudes que, evidentemente, não podem ser toleradas pela sociedade sob nenhum pretexto.

Alguns desses ilícitos são, eventualmente, remediados mediante ressarcimento pecuniário ou, quiçá, por um pedido público de desculpas. Mas nem sempre isso é possível. Existem transgressões tão sérias que ameaçam a própria consecução do bem comum, fundamento último do Estado de Direito, as quais só podem ser coibidas ou reparadas com a aplicação de penas restritivas de liberdade, combinadas eventualmente com sanções pecuniárias.

Surge nesse caso o denominado jus puniendi estatal, que representa “a justa reação do Estado contra o autor da infração penal, em nome da defesa da ordem e da boa convivência entre os cidadãos[2].

Ocorre que o direito de punir do Estado não é ilimitado e muito menos arbitrário, pois, entre nós, como nos demais países civilizados, ele se encontra circunscrito pelo princípio da reserva legal, cuja dicção constitucional é a seguinte: “não há crime sem lei anterior, nem pena sem prévia cominação legal[3].

Em outras palavras, uma conduta, para que possa ser considerada criminosa, precisa estar tipificada em lei formal anteriormente editada. Do mesmo modo, a sanção correspondente deve constar do preceito secundário da norma penal incriminadora, não podendo ser aplicada, em nenhuma hipótese, em limites superiores àqueles previstos pelo legislador.

Longe estamos, hoje, das teorias absolutistas do passado, que consideravam as sanções penais uma exigência de justiça, um imperativo categórico, à moda de Kant, punindo-se alguém como simples consequência do cometimento de um delito. A pena, então, explicava-se como mera retribuição jurídica por um mal cometido (punitur quia peccatum est)[4]. Ao mal do crime revidava-se com o mal da punição em escala correspondente, como uma mensagem dissuasória aos futuros delinquentes.

A pena, nos dias atuais, sobretudo no Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, tem uma função eminentemente ressocializadora, ou seja, tem o escopo de reintroduzir o egresso do sistema penitenciário no convívio social, de torná-lo um cidadão prestante, após ter ele saldado seu débito para com a sociedade. Veja-se o que tem a dizer Claus Roxin a propósito do tema:

(…) servindo a pena exclusivamente a fins racionais e devendo possibilitar a vida humana em comum e sem perigos, a execução da pena apenas se justifica se prosseguir esta meta na medida do possível, isto é, tendo como conteúdo a reintegração do delinquente na comunidade. Assim, apenas se tem em conta uma execução ressocializadora. O facto da idéia de educação social através da execução da pena ser de imediato tão convincente, deve-se a que nela coincidem prévia e amplamente os direitos e deveres da colectividade e do particular, enquanto na cominação e aplicação da pena eles apenas se podem harmonizar através de um complicado sistema de recíprocas limitações”.[5]


Da lição do mestre alemão, destaca-se não apenas a ideia de que a sanção tem como fim último a reintegração do delinquente na coletividade, mas também que ela deve conferir à retribuição pelo crime cometido um sentido de racionalidade e proporcionalidade, quer dizer, seu escopo é fazer com que a pena não passe de limites prévia e expressamente previstos em lei, de modo a que as penitenciárias não sejam instituições que exacerbem o natural sentido de revolta ou mesmo de injustiça daqueles que delas saem, para logo depois – como é comum – retornarem como reincidentes na prática do mesmo ou de outros crimes.



  1. Algumas notas históricas

Como se descreve na obra História das prisões no Brasil, que toma de empréstimo expressão de Olavo Bilac, as primeiras prisões então consideradas “modernas” já nasceram “tortas e quebradas”[6], constituindo, pois, um problema mais do que secular no Brasil.

Muito embora a Constituição de 1824, bem como o Código Criminal de 1830, tenham introduzido uma concepção mais aggiornata acerca da pena de prisão em nosso País[7], o que se percebeu ao longo do tempo foi uma completa ausência de propostas no sentido de criar-se estabelecimentos prisionais adequados, que pudessem, ainda que minimamente, dar efetividade aos comandos legais previstos naqueles textos normativos.

Interessantemente, a Constituição Política do Império já consignava, em seu art. 179, XXI, que as cadeias seriam seguras, limpas e bem arejadas e que haveria diversas casas para separação dos apenados, conforme suas circunstâncias e a natureza de seus crimes, além de ter abolido, no inciso XIX daquele mesmo dispositivo, “os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis”.

Por sua vez, o Código Criminal do Império trouxe a previsão de pena privativa de liberdade, acrescida de atividades laborais para a maior parte dos crimes, redefinindo a função das prisões, que passariam, a partir de então, a ser

“(…) não mais um lugar de passagem à espera da sentença final, decretada geralmente em forma de multa, degredo, morte ou trabalhos públicos, mas [passariam a adquirir] um papel importante na organização da sociedade brasileira na primeira metade do século XIX[8].

Partindo-se da premissa de que a pena teria a função de separar temporariamente o criminoso da sociedade e, depois de cumprida, requalificá-lo para que nela pudesse regressar, foram construídas, desde a metade do século XIX, “Casas de Correção” nas principais cidades brasileiras, pensadas como estabelecimentos fechados, voltados para disciplina, educação e trabalho, “já que o desvio do indivíduo era interpretado, muitas vezes, como falta de instrução e ignorância” [9].

Ocorre que, mesmo naquela época, os problemas carcerários já se mostravam preocupantes, porquanto as manchetes dos jornais noticiavam, com frequência, rebeliões, fugas em massa, maus-tratos de detentos, além de denúncias de corrupção por parte de administradores das prisões, escancarando a desorganização e o abandono dessas Casas de Correção.

O relatório elaborado por uma comissão designada pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, nos idos de 1905, após visita à Casa de Correção do Estado do Rio de Janeiro, além de veicular críticas às condições físicas e de higiene daqueles estabelecimentos, explicitava ainda o seguinte:

“O que a Comissão encontrou, e denuncia a V. Ex., foi um depósito de presos, onde tudo é primitivo e desordenado, praticado sem plano, sem conhecimento do que seja sistema penitenciário que tem de ser executado em todas as suas partes, sem discrepância, harmonicamente, para poder atingir seus elevados e humanitários fins (…) E para que fique bem firmado na memória de V. Ex. o que a Comissão pensa, em resumo, ela dirá: A Casa de Correção não tem administração, não tem sistema, não tem moralidade ou melhor: Não há Casa de Correção”[10].

Essa era no passado, e continua sendo no presente, só que em escala ampliada, a situação de nosso sistema prisional.


  1. Panorama atual das prisões brasileiras

Ouso assinalar, desde logo, que até o mais desinformado dos cidadãos possui algum conhecimento acerca do quadro de total falência do sistema carcerário brasileiro, o que faz com que tal problema ultrapasse as fronteiras do Rio Grande do Sul, constituindo, de resto, antiga mazela nacional.

O senso comum não nega – ao contrário, reafirma – que o histórico das condições prisionais no Brasil é de insofismável precariedade.

Nesse contexto, são recorrentes os relatos de sevícias, torturas físicas e psíquicas, abusos sexuais, ofensas morais, execuções sumárias, revoltas, conflitos entre facções criminosas, superlotação de presídios, ausência de serviços básicos de saúde, falta de assistência social e psicológica, condições de higiene e alimentação sub-humanas nos presídios.

Esse evidente caos institucional, à toda evidência, compromete a efetividade do sistema prisional como instrumento de reabilitação social dos detentos, a começar pela carência crônica de vagas, que faz com que os estabelecimentos carcerários sejam verdadeiros “depósitos” de pessoas.

De acordo com o relatório elaborado pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, em junho de 2014, o déficit de espaço nas prisões brasileiras ultrapassou a soma de 230 mil vagas[11], fato que constitui uma das principais causas que contribuem para o agravamento da crise no sistema.

Os fatores negativos acima descritos, fartamente veiculados pelos meios de comunicação, longe de representarem qualquer sensacionalismo midiático, revelam o cenário dantesco a que são submetidos os presidiários em nosso País.

Abundam relatos de detentos confinados em contêineres expostos ao sol, sem instalações sanitárias; de celas previstas para um determinado número de ocupantes nas quais se instalam diversos “andares” de redes para comportar o dobro ou o triplo da lotação prevista; de total promiscuidade entre custodiados primários e reincidentes e, ainda, entre presos provisórios e condenados definitivamente; de rebeliões em que agentes penitenciários e internos são feridos ou assassinados com inusitada crueldade, não raro mediante decapitações.

Ressalto que, longe de buscar escandalizar, o escopo dessa abordagem é apenas contextualizar a discussão travada nestes autos e evidenciar uma realidade que deve ser enfrentada com medidas efetivas, não só por esta Suprema Corte, em particular, e pelo Judiciário, como um todo, mas também pelas demais instituições públicas e mesmo privadas, direta ou indiretamente, envolvidas na questão.


  1. Descida ao Inferno de Dante

Esse terrível panorama vem sendo reiteradamente realçado em documentos elaborados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por ocasião de inspeções realizadas em presídios nos distintos Estados brasileiros. A partir delas, esse cenário de horror começou a ser melhor conhecido dentro e fora do Judiciário, especialmente depois da realização dos denominados “Mutirões Carcerários”, instituídos em 2008 pelo referido órgão[12].

Permito-me extrair, a título ilustrativo, excerto do relatório de inspeções realizadas em estabelecimentos penais e socioeducativos no Estado do Espírito Santo, em maio de 2009, abaixo transcrito:

“(…) No Departamento de Polícia Judiciária de Vila Velha há apenas uma grande cela, na qual se amontoavam 256 presos (a capacidade é para apenas 36) e apenas um sanitário. Não há qualquer separação de presos doentes ou presos idosos – todos dividem o mesmo espaço.
O Centro de Detenção de Novo Horizonte, também conhecido como Cadeia Modular ou, ainda, Cadeia dos Contêineres, tampouco estabelece qualquer divisão entre os presos.
(…)
No Presídio Modular de Novo Horizonte há infestação de ratos e grande quantidade de lixo e entulho acumulados no pátio.
Em Novo Horizonte há presos que têm marca de mordidas de roedores e a quantidade de lixo é tanta que há permanente chorume no piso do estabelecimento. A caixa de água tem vazamento que inunda o local para banho de sol e mistura lixo e esgoto a céu aberto.
Em Argolas as embalagens em que são servidas as refeições servem também para depósito de fezes, pois não há vaso sanitário na cela improvisada que fica no corredor que dá acesso a outras duas celas do estabelecimento.
Na DPJ de Vila Velha há sete fileiras de redes amarradas na cela e os presos ficam apenas deitados, pois não têm espaço para ficarem de pé, sendo que alguns estão nessas condições há mais de um ano, e sem espaço apropriado para banho de sol.
(…)
Na DPJ de Jardim América há tanta gente que o agente carcerário é obrigado a solicitar ajuda de outros agentes e dos próprios presos para poder trancar as celas. Literalmente os presos são socados dentro das celas.
(…)
Ainda na mesma DPJ [Vila Velha] havia um preso seriamente ferido que sangrava muito. O sangue escorria no chão por baixo dos demais presos.
(…)
No Presídio Modular, embora afirme o diretor que o direito à visitação era permitido, as visitas só ocorriam no parlatório, um espaço entre grades de segurança destinado a receber visitas para os detentos. A dificuldade, contudo, era que essas grades só permitem o contato visual, sem ao um menos (sic) um cumprimento, aperto de mão, etc.
(…)
Com tais restrições e sem acesso à televisão, rádio ou jornal, os presos não têm contato com o mundo exterior. Muitos não acompanham notícia alguma. Os presos provisórios não votam. Em nenhum estabelecimento havia biblioteca – não lêem, não estudam, não têm atividade recreativa, ficam o tempo todo ociosos.
A frase mais ouvida dos diretores dos estabelecimentos era a de que os presos apenas permaneciam presos porque eles (os presos) assim o desejavam. As condições para fugas e rebeliões são sempre renovadas [13] (grifos meus).

Relativamente aos estabelecimentos destinados à internação de menores da mencionada unidade da federação, segue o relato:


“É grave a situação das instituições sócio-educacionais, sem qualquer separação de idade e compleição física. Não há separação entre educandos maiores e menores. Na Unidade de Internação Sócio-Educativa alguns deles dividiam o mesmo espaço em contêineres a céu aberto.
(…)
Duas dessas caixas metálicas estavam expostas ao sol, sem banheiros e sem água encanada. Nessas condições, eram obrigados a defecar e urinar dentro do próprio contêiner e, ao início do dia, o piso era lavado e os excrementos depositados ao lado das caixas metálicas. O cheiro é repulsivo. Uma das celas estava fora de prumo e os excrementos dos adolescentes ficavam acumulados como um córrego no canto sulcado do caixote. Alguns adolescentes vomitavam.
(…)
Falta-lhes, ainda, tratamento condigno. Vários menores estão em contêineres. Dois desses módulos estão expostos às intempéries climáticas. Sob o sol, o calor dentro da caixa chega a 50°” (grifos meus).


A propósito, notícia de 17/11/2009, veiculada em portal da rede mundial de computadores, registrou que duas celas do Departamento de Polícia Judiciária – DPJ, de Vila Velha, tiveram de ser temporariamente interditadas, pois estavam cheias de fezes, sujeira e muito lixo[14].


  1. Excursionando pelo Hades

Tomo ainda como exemplo dessa verdadeira chaga institucional a situação descrita no relatório das visitas de inspeção realizadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, no Estado do Rio Grande do Sul, entre os dias 13 e 14 de julho e 10 e 11 de agosto de 2009[15]:

“(…) O Presídio Central de Porto Alegre – PCPA – destina-se à custódia de presos em regime fechado e provisórios, do sexo masculino, contendo 4.807 presos na data da inspeção (13 de julho). A capacidade do estabelecimento é de 2.069 presos, sendo que as celas possuem diferentes metragens (6 a 19,96 m²).
(…)
A estrutura predial dos estabelecimentos visitados está em péssimas condições, necessitando de reformas estruturais, hidráulicas, elétricas e sanitárias.
(…)
As infiltrações nas paredes são visíveis, inclusive nas alas recentemente inauguradas. O presídio possui extensa área onde é lançado o lixo a céu aberto, onde escorre água e esgoto o dia todo, contribuindo para a proliferação de insetos e pragas. Durante a inspeção, foram vistas várias ratazanas percorrendo o pátio e as paredes externas das galerias. Os Promotores de Justiça que nos acompanhavam relataram que o Ministério Público já propôs ação civil pública em face do Estado visando à retirada do lixo do local, mas as decisões judiciais ainda não haviam sido cumpridas. Ademais, os quatro novos pavilhões construídos no final do ano de 2008, com capacidade para 492 vagas, não resolveram a questão da superlotação carcerária. Presos provisórios e condenados dividem mesmas celas e pátio de banho de sol, em flagrante descumprimento ao disposto no artigo 84, da Lei de Execução Penal.
(…)
Visita ao Albergue Padre Pio Buck:
(…)
As condições são subumanas, constatando-se uma desagradável superlotação, péssimas instalações físicas (especialmente elétricas e hidráulicas), que, inclusive, põem em iminente risco a vida, a incolumidade física e a saúde dos que ali se encontram ‘enjaulados’. É comum ver ‘gambiarras’ em todos os alojamentos visitados, já que toda a parte elétrica está descoberta e possui ligações indevidas. Os internos têm por costume usar fogões elétricos, que além de serem ligados por fios descoberto, cruzam a cela, ficam muito próximos das colchas, toalhas e roupas, o que, por um mínimo descuido, pode ocasionar uma tragédia (grifos meus).

Embora tenha pinçado como exemplos os relatórios de inspeções referentes aos Estados do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul, é de sabença geral que a realidade do sistema prisional brasileiro, como um todo, não difere substancialmente do que neles foi constatado.


  1. Olhar do Fiscal da Lei

Da mesma forma, o relatório intitulado “A Visão do Ministério Público sobre o Sistema Prisional Brasileiro”, elaborado pelo Conselho Nacional do Parquet, divulgado em 2013, expõe outros dados alarmantes. Confira-se:

“Os 1.598 estabelecimentos inspecionados possuem capacidade para 302.422 pessoas, mas abrigavam, em março de 2013, um total de 448.969 presos. O déficit é de 146.547 ou 48%. A superlotação é registrada em todos as regiões do país e em todos os tipos de estabelecimento (penitenciárias, cadeias públicas, casas do albergado, etc). O déficit de vagas é maior para os homens. O sistema tem capacidade para 278.793 pessoas do sexo masculino, mas abrigava 420.940 homens presos em março de 2013. Para as mulheres, são 23.629 vagas para 28.029 internas.

Separações

As inspeções verificaram que a maior parte dos estabelecimentos não faz as separações dos presos previstas na Lei de Execuções Penais. Segundo o relatório, 1.269 (79%) estabelecimentos não separam presos provisórios de definitivos; 1.078 (67%) não separam pessoas que estão cumprindo penas em regimes diferentes (aberto, semiaberto, fechado); 1.243 (quase 78%) não separam presos primários dos reincidentes. Em 1.089 (68%) locais, não há separação por periculosidade ou conforme o delito cometido; em 1.043 (65%), os presos não são separados conforme facções criminosas. Há grupos ou facções criminosos identificados em 287 estabelecimentos inspecionados (17%).

Fugas, integridade física dos presos e disciplina

Entre março de 2012 e fevereiro de 2013, foram registradas 121 rebeliões, 23 das quais com reféns. Ao todo, houve 769 mortes, das quais 110 foram classificadas como homicídios e 83 como suicídiosForam registradas 20.310 fugas, com a recaptura de 3.734 presos e o retorno espontâneo de 7.264. Os casos em que presos, valendo-se de saída temporária não vigiada, não retornam na data marcada, são computados como fuga ou evasão. Houve apreensão de drogas em 654 locais, o que representa cerca de 40% dos estabelecimentos inspecionados
No quesito disciplina, o relatório mostra que 585 estabelecimentos (37%) não observam o direito de defesa do preso na aplicação de sanção disciplinar. Em 613 locais (38%), o ato do diretor da unidade que determina a sanção não é motivado ou fundamentado; em 934 (58%), nem toda notícia de falta disciplinar resulta em instauração de procedimento. As sanções coletivas foram registradas em 116 estabelecimentos (7%). Em 211 (13%) locais não é proporcionada assistência jurídica e permanente; em 1.036 (quase 65%), não há serviço de assistência jurídica no próprio estabelecimento.

Assistência material, saúde e educação

Quase metade dos estabelecimentos (780) não possui cama para todos os presos e quase um quarto (365) não tem colchão para todos. A água para banho não é aquecida em dois terços dos estabelecimentos (1.009). Não é fornecido material de higiene pessoal em 636 (40%) locais e não há fornecimento de toalha de banho em 1.060 (66%). A distribuição de preservativo não é feita em 671 estabelecimentos (42%). As visitas íntimas são garantidas em cerca de dois terços do sistema (1.039 estabelecimentos).
 Cerca de 60% dos estabelecimentos (968) não contam com biblioteca; falta espaço para prática esportiva em 756 locais (47%) e para banho de sol (solário) em 155 (10%)[16] (grifos meus).

Essa é a cruel realidade dos presídios confirmada, desta feita, pelo Ministério Público.

  1. Fábricas de criminosos


Passada a Idade Média, em pleno Iluminismo, Cesare Beccaria, já no século XVIII, em seu clássico Dei delliti e delle penne, formulava a seguinte indagação:

“É concebível que um corpo político, que, bem longe de agir por paixão, é o moderador tranquilo das paixões particulares, possa abrigar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de volta do tempo sem retorno as ações já consumadas?”.[17]


Desde então continua inalterada a condição das prisões tidas como “modernas”. Segundo veio a descrever, tempos depois, Michel Foulcault, em sua conhecida obra Vigiar e punir, elas, ao invés de devolver os egressos à sociedade plenamente recuperados, na verdade contribuem para exacerbar ainda mais o seu sentimento de revolta pela existência indigna que o Estado lhes impõe para o cumprimento das respectivas penas. Nesse sentido, acrescenta o pensador francês que

“(…) ‘o sentimento de injustiça que um prisioneiro experimenta é uma das causas que mais podem tornar indomável seu caráter. Quando se vê assimexposto a sofrimentos que a lei não ordenou nem mesmo previu, ele entra num estado habitual de cólera contra tudo o que o cerca; só vê carrascos em todos os agentes da autoridade: não pensa mais ter sido culpado; acusa a própria justiça’” [18] (grifos meus).

Nos dias atuais, as preocupações de Beccaria e de Foucault, lançadas em períodos históricos tão distintos, continuam plenamente válidas. Creio que, depois, a situação das prisões tenha até mesmo piorado sensivelmente, sobretudo no Brasil.

Segundo os dados constantes do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen[19], do Ministério da Justiça, a população carcerária, no final de junho de 2014, era integrada por mais de 600 mil detentos, expostos, em sua maior parte, às já mencionadas agruras do sistema, em colisão frontal, dentre outros dispositivos legais, com o disposto nos arts. 1º, III, e 5º, XLIX, da Carta Magna, que tratam, respectivamente, da dignidade da pessoa humana e das garantias asseguradas aos presos, em especial ao respeito à sua integridade física e moral.

Buscando a origem desse fenômeno, que revela verdadeira patologia institucional, Yolanda Catão e Elizabeth Sussekind, de há muito, aventaram que ele se deve, em grande parte, a uma indisfarçável discriminação social contra os detentos em nosso País, especialmente em razão do

(…) fato de o preso provir de meio social pobre. Como forma de descarregar tensões e agressividades sociais, ele torna-se um ‘bode expiatório’ no sentido de que todas as culpas da violência estrutural e os ódios existentes entre as classes recaem sobre essa minoria desprotegida e que não tem como se defender contra um sistema institucionalizado e bem organizado [20].”


Isso, continuam as citadas autoras, faz com que nem os estratos sociais mais baixos e muito menos as classes médias e altas queiram identificar-se com os presos, predominando uma visão maniqueísta relativamente a eles, de maneira a dividir a sociedade entre pessoas “inofensivas” e “perigosas”. Essa perspectiva distorcida, fundada em indisfarçável preconceito de classe, leva a que ninguém se anime a dar voz às necessidades e carências desses seres humanos entregues à sua miserável sorte[21].


  1. Prisões e dignidade da pessoa humana

Sejam quais forem os motivos que deram causa a essa situação, cumpre ressaltar que o postulado da dignidade da pessoa humana, nas palavras de José Afonso da Silva, “não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional” [22].

Ainda na lição do renomado mestre, o primeiro ordenamento jurídico a abrigar o princípio da dignidade da pessoa humana como valor basilar, foi o alemão, em sua Lei Fundamental, em razão de haver o Estado Nazista protagonizado gravíssimos delitos contra a humanidade invocando, com desabrido despudor, fatídicas “razões de Estado”.

No caso brasileiro, os conhecidos abusos e crimes cometidos contra cidadãos e estrangeiros durante o regime de exceção, que durou aproximadamente de 1964 a 1985, ensejaram a inclusão da dignidade da pessoa humana no corpo da denominada “Constituição-Cidadã” como um dos pilares do Estado Democrático de Direito que ela institui e consagra [23].

Na precisa síntese de J. J. Gomes Canotilho:

“Perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República”[24].

Com efeito, a partir das incontáveis barbáries cometidas em nome do Estado, especialmente no século passado, indelevelmente tisnado por duas terríveis guerras mundiais, que resultaram em milhões de pessoas mortas, feridas, mutiladas e desenraizadas de seus locais de origem, realizou-se um enorme esforço da comunidade internacional para elevar o princípio da dignidade humana à estatura de um paradigma universal a ser observado por todos os Estados civilizados.

Na precisa recapitulação de Ingo Sarlet, ele consubstancia

“(…)a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos” [25].

Nessa linha, erigiu-se a dignidade da pessoa humana à categoria de um “sobreprincípio” justamente para impor limites expressos à atuação do Estado e de seus agentes, com reflexo direto no jus puniendi que ele detém como ultima ratio para garantir a convivência pacífica das pessoas em sociedade.

Mas o que se verifica, hoje, relativamente às prisões brasileiras, é uma completa ruptura com toda a doutrina legal de cunho civilizatório construída no pós-guerra. Trata-se de um processo de verdadeira “coisificação” de seres humanos presos, amontoados em verdadeiras “masmorras medievais”, que indica claro retrocesso relativamente a essa nova lógica jurídica.

O fato é que a sujeição dos presos às condições até aqui descritas mostra, com clareza meridiana, que o Estado os está sujeitando a uma pena que ultrapassa a mera privação da liberdade prevista na sentença, porquanto acresce a ela um sofrimento físico, psicológico e moral, o qual, além de atentar contra toda a noção que se possa ter de respeito à dignidade humana, retira da sanção qualquer potencial de ressocialização.

Sim, porque tais pessoas, muito embora submetidas à guarda e vigilância do Estado, devem merecer dele a necessária proteção, inclusive e especialmente contra violências perpetradas por parte de agentes carcerários e outros presos.

O tratamento dispensado aos detentos no sistema prisional brasileiro, com toda a certeza, rompe com um dogma universal segundo o qual eles conservam todos os direitos não afetados pelo cerceamento de sua liberdade de ir e vir, garantia, de resto, expressa, com todas as letras, no art. 3º de nossa Lei de Execução Penal[26].


  1. Inafastabilidade da jurisdição

A centralidade do valor da dignidade da pessoa humana em nosso sistema constitucional permite a intervenção judicial para que seu conteúdo mínimo seja assegurado aos jurisdicionados em qualquer situação em que estes se encontrem.

Basta lembrar, nesse sentido, que uma das garantias basilares para a efetivação dos direitos fundamentais é o princípio da inafastabilidade da jurisdição, abrigado no art. 5o, XXXV, de nossa Constituição, segundo o qual “a lei não subtrairá à apreciação do poder judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito”.

A partir dessa cláusula, é possível deduzir, de forma complementar, o direito à plena cognição da lide pelo Estado-juiz, definido como um “ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo[27].
No juízo criminal, convém ressaltar, a cognição é a mais ampla possível, pois nele se busca a “verdade real”, bem distinta daquela “verdade formal”, que, muitas vezes, basta para encerrar um litígio cível.

Outro aspecto a sublinhar é que os juízes são adotados do poder geral de cautela consistente em uma competência, mediante o qual lhes é permitido conceder medidas cautelares atípicas, que não estão explicitadas em lei, sempre que estas se mostrarem necessárias para assegurar, nos casos concretos submetidos à jurisdição, a efetividade do direito buscado. Em outros termos, elas são cabíveis, no dizer de Vicente Greco Filho, “quando houver, nos termos da lei, fundado receio de lesão grave e de difícil reparação[28].

O postulado da inafastabilidade da jurisdição é um dos principais alicerces do Estado Democrático de Direito, pois impede que lesões ou ameaças de lesões a direitos sejam excluídas da apreciação do Judiciário, órgão que, ao lado do Legislativo e do Executivo, expressa a soberania popular.

Trata-se de um verdadeiro marco civilizatório, que prestigia a justiça contra o força, sobretudo a moderação diante do arbítrio, na solução dos litígios individuais e sociais. Resulta de uma longa evolução histórica, em que se superou a concepção bíblica resumida na expressão “olho por olho, dente por dente”, materializada já no vetusto Código de Hamurabi.

A autotutela dos pretensos direitos dos ofendidos imperou durante séculos, até que se passou a entender que o exercício arbitrário das próprias razões constitui um ilícito quiçá mais grave do que aquele que se pretende remediar pela força.

Já na época dos antigos romanos, os litígios privados passaram a ser resolvidos pelos pretores, agentes do Estado especialmente preparados para tal função, tendo em conta a lei, a tradição e a jurisprudência.

Mesmo na Idade Média, os senhores feudais chamaram para si a solução dos litígios, de maneira a impedir que os envolvidos buscassem fazer “justiça” com as próprias mãos, causando a ruptura da paz social.
Mas a noção da inafastabilidade de uma jurisdição estatal independente surgiu apenas na Idade Contemporânea, momento em que se percebeu que o poder, inclusive o de dizer o direito, não é mais exercido em nome do monarca, segundo seus desígnios e interesses pessoais, por intermédio de aristocratas ou agentes reais, discricionariamente escolhidos.

Os magistrados, a partir de então, legalistas e independentes, escolhidos por processos mais transparentes, que se foram objetivando com o passar do tempo, começam a dizer o direito em nome do povo, aplicando, aos casos concretos, normas legais aprovadas in abstracto pelos representantes deste nos Parlamentos.

Desde esse momento os juízes passam a exercer, com exclusividade, “a função jurisdicional, sendo o seu compromisso ético somente com a justiça, envolvida por seus escopos e voltada para o bem comum[29].


  1. Eficácia dos direitos fundamentais

Sabe-se hoje, que os princípios constitucionais, longe de configurarem meras recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e “positivamente vinculantes”, como ensina Gomes Canotilho[30].

A sua inobservância, ao contrário do que muitos pregavam até recentemente, atribuindo-lhes uma natureza apenas programática, deflagra sempre uma conseqüência jurídica, de maneira compatível com a carga de normatividade que encerram.

Independentemente da preeminência que ostentam no âmbito do sistema ou da abrangência de seu impacto sobre a ordem legal, os princípios constitucionais, como se reconhece atualmente, são sempre dotados de eficácia, cuja materialização pode ser cobrada judicialmente, se necessário.

Segundo assentei em sede acadêmica, os direitos individuais, institucionalizados há mais de trezentos anos, além de claramente exteriorizados, por meio de normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, encontram-se protegidos por uma série de garantias bem definidas, que pouco variam de um sistema jurídico para outro[31].

Assim, contrariamente ao sustentado pelo acórdão recorrido, penso que não se está diante de normas meramente programáticas.Tampouco é possível cogitar de hipótese na qual o Judiciário estaria ingressando indevidamente em seara reservada à Administração Pública.

No caso dos autos, está-se diante de clara violação a direitos fundamentais, praticada pelo próprio Estado contra pessoas sob sua guarda, cumprindo ao Judiciário, por dever constitucional, oferecer-lhes a devida proteção.

Nesse contexto, não há falar em indevida implementação, por parte do Judiciário, de políticas públicas na seara carcerária, circunstância que sempre enseja discussão complexa e casuística acerca dos limites de sua atuação, à luz da teoria da separação dos poderes.


  1. Regras infraconstitucionais violadas

As condições escandalosamente degradantes em que se acham os presos em nosso País, não apenas revelam situação incompatível com diversos preceitos da Carta Magna, em especial os contidos nos arts. 1º, III, e 5º, XLIX, conforme já apontei acima, como também se contrapõem a dispositivos legais específicos sobre o assunto, a saber: os arts. 3º, 40, e 85, da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal – LEP). Confira-se:

Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.
(…)
Art. 40 – Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.
(…)
Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.
           Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades (grifos meus).

Como se vê, a LEP, por meio dos dispositivos acima referidos, assegura aos condenados e internados em geral todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Impõe, ademais, a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos custodiados, inclusive, dos presos provisórios.

De outra banda, a Lei de Execução Penal prescreve, no caput de seu art. 88, que o condenado será alojado em cela individual integrada por dormitório, aparelho sanitário e lavatório. E, em seu parágrafo único, estabelece os requisitos mínimos de cada alojamento prisional, quais sejam: salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, compreendendo uma área mínima de 6,00 m2 (seis metros quadrados).

Mas não é só!

A LEP prevê, ainda, que os estabelecimentos prisionais deverão ter lotação compatível com a respectiva estrutura e finalidade, assentando, mais, que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP/MJ estabelecerá o limite máximo da capacidade destes.

Além disso, existem normas regulamentares constantes da Resolução no14 de 1994, do CNPCP/MJ, cuja competência encontra-se definida no art. 64 da LEP [32], as quais devem ser obrigatoriamente respeitadas quanto aos presos.

A mencionada Resolução fixa as regras mínimas para o tratamento de presos no Brasil em seus arts. 1º, 3º, 7º, 8º, 9º, 10 e 13. Eis a sua redação:

Art. 1º. As normas que se seguem obedecem aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e daqueles inseridos nos Tratados, Convenções e regras internacionais de que o Brasil é signatário devendo ser aplicadas sem distinção de natureza racial, social, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem.
(…)
Art. 3º. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal.
(…)
Art. 7º. Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo, idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da individualização da pena.
Art. 8º. Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente.
  • 1º. Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições.
  • 2º. O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto.
Art. 9º. Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação.
Art. 10. O local onde os presos desenvolvam suas atividades deverá apresentar:
I – janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar circulação de ar fresco, haja ou não ventilação artificial, para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural;
II – quando necessário, luz artificial suficiente, para que o preso possa trabalhar sem prejuízo da sua visão;
III – instalações sanitárias adequadas, para que o preso possa satisfazer suas necessidades naturais de forma higiênica e decente, preservada a sua privacidade;
IV – instalações condizentes, para que o preso possa tomar banho à temperatura adequada ao clima e com a frequência que exigem os princípios básicos de higiene.
(…)
Art. 13. A administração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.
Parágrafo Único – A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso (grifos meus).

Essas regras, como se sabe, jamais foram cumpridas.

  1. Normas internacionais

Não se ignora, por outro lado, que o art. 5º, § 2º, da Carta Magna consigna que os direitos e garantias nela previstos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados em seu texto, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.

Isso porque o sistema normativo de proteção aos direitos humanos contempla a complementariedade entre direito interno e o internacional. Conforme explica Fábio Comparato,


“(…) o sistema integrado de direitos humanos, nacional e internacional, comporta dois níveis: o do direito positivo e o do direito suprapositivo.
No primeiro, situam-se os chamados direitos fundamentais, isto é, os direitos humanos declarados pelos estados, seja internamente em suas Constituições, seja internacionalmente por via de tratados, pactos ou convenções. A integração ao ordenamento nacional dos direitos fundamentais, declarados em tratados ou convenções internacionais, tende hoje a generalizar-se. A Constituição brasileira de 1988, como sabido, seguiu essa tendência, com a disposição constante de seu art. 5º, § 2º.
No nível suprapositivo, encontramos os direitos humanos que ainda não chegaram a positivar-se, mas que vigem, efetivamente, na consciência jurídica coletiva, nacional ou internacional”[33].

Nesse ponto, observo que tampouco os direitos assegurados aos presos pelas normas internacionais são respeitadas.

Cito, brevemente, a título exemplificativo, algumas delas, a saber:

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, de 10 de dezembro de 1948.

(…)
Artigo 5
Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo 6
Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
(…)
Artigo 8
Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

“PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS de 19 de dezembro de 1966, internalizado pelo DECRETO 592 de 6 julho de 1992
(…)
Artigo 7
Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
(…)
Artigo 10
  1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.”

“CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, de 22 de novembro de 1969, internalizado pelo DECRETO 678 DE 6/11/1992
(…)
Artigo 5
Direito à Integridade Pessoal
  1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
  2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantesToda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. (grifos meus).

Convém lembrar que essas normas, conforme decisão desta Suprema Corte, tomada no julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, e 349.703/RS, Rel. Min. Ayres Britto, e dos Habeas Corpus 87.585/TO e 92.566/SP, ambos de relatoria do Min. Marco Aurélio, possuem natureza supralegal. Do trecho da ementa de um desses acórdãos consta peremptoriamente o seguinte:

   “(…) o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna”[34].

Menciono, ainda, a existência das Resoluções 663 C (XXIV) e 2076 (LXII)[35], aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas em 1957 e 1977, respectivamente, após a realização, em Genebra, do Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, em 1955, que estabelecem Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, dentre as quais:

“(…)
9.
1) As celas ou locais destinados ao descanso noturno não devem ser ocupados por mais de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for necessário que a administração penitenciária central adote exceções a esta regra, deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local.
(…)
  1. As acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação.
  2. Em todos os locais destinados aos reclusos, para viverem ou trabalharem:
  3. a) As janelas devem ser suficientemente amplas de modo a que os reclusos possam ler ou trabalhar com luz natural, e devem ser construídas de forma a permitir a entrada de ar fresco, haja ou não ventilação artificial;
  4. b) A luz artificial deve ser suficiente para permitir aos reclusos ler ou trabalhar sem prejudicar a vista.
  5. As instalações sanitárias devem ser adequadas, de modo a que os reclusos possam efetuar as suas necessidades quando precisarem, de modo limpo e decente.
  6. As instalações de banho e ducha devem ser suficientes para que todos os reclusos possam, quando desejem ou lhes seja exigido, tomar banho ou ducha a uma temperatura adequada ao clima, tão frequentemente quanto necessário à higiene geral, de acordo com a estação do ano e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana num clima temperado.
  7. Todas as zonas de um estabelecimento penitenciário usadas regularmente pelos reclusos devem ser mantidas e conservadas sempre escrupulosamente limpas. 
  8. Deve ser exigido a todos os reclusos que se mantenham limpos e, para este fim, ser-lhes-ão fornecidos água e os artigos de higiene necessários à saúde e limpeza.
  9. A fim de permitir aos reclusos manter um aspecto correto e preservar o respeito por si próprios, ser-lhes-ão garantidos os meios indispensáveis para cuidar do cabelo e da barba; os homens devem poder barbear-se regularmente.
17.
1)     Deve ser garantido vestuário adaptado às condições climatéricas e de saúde a todos os reclusos que não estejam autorizados a usar o seu próprio vestuário. Este vestuário não deve de forma alguma ser degradante ou humilhante.
 2)      Todo o vestuário deve estar limpo e ser mantido em bom estado. As roupas interiores devem ser mudadas e lavadas tão frequentemente quanto seja necessário para manutenção da higiene.
(…)
  1. A todos os reclusos, de acordo com padrões locais ou nacionais,deve ser fornecido um leito próprio e roupa de cama suficiente e própria, que estará limpa quando lhes for entregue, mantida em bom estado de conservação e mudada com a frequência suficiente para garantir a sua limpeza.” 

Da mesma maneira como ocorre com as regras internas, nenhuma dessas normas internacionais às quais o Brasil aderiu no exercício de sua soberania vem sendo observadas pelas autoridades penitenciárias em nosso País.


15.Sanções da CIDH contra o Brasil

Recordo, ainda, que, em consequência da reiterada violação aos direitos humanos dos presos no Brasil, já foram ajuizados contra o País diversos processos perante a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos[36]. Dentre eles, o de maior repercussão é aquele que envolve a denúncia de mortes e maus-tratos de detentos no Presídio José Mário Alves da Silva, conhecido como “Urso Branco”, situado em Porto Velho/RO.

Tal caso é considerado internacionalmente um verdadeiro paradigma do descaso com que as autoridades brasileiras tratam do sistema penitenciário. No âmbito interno, rememoro, ele deu ensejo a pedido de intervenção federal no Estado nesta Suprema Corte[37]. Lamentavelmente, a situação do Urso Branco não é o único exemplo de crítica internacional à violação de direitos dos reclusos em nossas penitenciárias

A Corte Interamericana apreciou também a situação do Complexo do Tatuapé – FEBEM, em São Paulo/SP, da Penitenciária Dr. Sebastião Martins Silveira, em Araraquara/SP, e da Unidade de Internação Socioeducativa, em Cariacica/ES, determinando medidas a serem cumpridas pelo Estado brasileiro voltadas à proteção da vida e da integridade física dos reclusos e daqueles que trabalham ou frequentam aqueles estabelecimentos [38].

Vale sublinhar, nesse passo, que, a partir do momento em que o Brasil adere a um tratado ou a uma convenção internacional, sobretudo àqueles que dizem respeito aos direitos humanos, a União assume as obrigações neles pactuadas, sujeitando-se, inclusive, à supervisão dos órgãos internacionais de controle, porquanto somente ela possui personalidade jurídica no plano externo.

Quanto a tal ponto vale trazer à baila a seguinte lição de Flávia Piovesan:

“(…) os princípios federativo e da separação dos Poderes não podem ser invocados para afastar a responsabilidade da União em relação à violação de obrigações contraídas no âmbito internacional. Como leciona Louis Henkin: ‘A separação dos poderes no plano nacional afeta a forma de responsabilização do Estado? No que se refere à atribuição de responsabilidade, não faz qualquer diferença se o órgão é parte do Executivo, Legislativo ou Judiciário. Não importa ainda se o órgão tem, ou não, qualquer responsabilidade em política internacional.
(…)
Estados Federais, por vezes, têm buscado negar sua responsabilidade em relação a condutas praticadas por Estados ou Províncias. Um Estado Federal é também responsável pelo cumprimento das obrigações decorrentes de tratados no âmbito de seu território inteiro, independentemente das divisões internas de poder. Exceções a esta regra podem ser feitas pelo próprio tratado ou em determinadas circunstâncias’” [39] (grifos meus).

A própria possibilidade de federalização de violações aos direitos fundamentais, introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional 45/2004[40], tem como escopo evitar a impunidade no combate às ofensas mais graves a esses valores, ao mesmo tempo em que reafirma o primado da dignidade humana como um dos pilares da República[41].


  1. Sujeição da matéria ao Judiciário

Forçoso é concluir, que, diante do panorama até aqui exposto, o arcabouço normativo interno (Constituição Federal, Lei de Execução Penal e demais atos normativos legais e regulamentares) e internacional (tratados e pactos assinados e internalizados pelo Brasil), na prática, configuram letra morta, ao menos com relação àqueles infelizes trancafiados nos cárceres de todo o País.

Assim, mostra-se no mínimo paradoxal a assertiva que consta do acórdão proferido pelo TJRS abaixo reproduzida:

“(…) fundado no princípio da discricionariedade, o Estado tem liberdade de dispor das verbas orçamentárias, de escolher onde devem ser aplicadas e quais obras deve realizar.
E o Poder Judiciário, pergunto, cabe intrometer-se nas questões de governo, de programa de governo, de gestão, e impor ao Poder Executivo obrigação de fazer que importe gastos sem previsão orçamentária?
Respondo pela negativa”.

Ora, salta aos olhos que, ao contrário do que conclui o mencionado aresto, existe todo um complexo normativo de índole interna e internacional, que exige a pronta ação do Judiciário para recompor a ordem jurídica violada, em especial para fazer valer os direitos fundamentais – de eficácia plena e aplicabilidade imediata – daqueles que se encontram, temporariamente, repita-se, sob a custódia do Estado.

A hipótese aqui examinada não cuida, insisto, de implementação direta, pelo Judiciário, de políticas públicas, amparadas em normas programáticas, supostamente abrigadas na Carta Magna, em alegada ofensa ao princípio da reserva do possível. Ao revés, trata-se do cumprimento da obrigação mais elementar deste Poder que é justamente a de dar concreção aos direitos fundamentais, abrigados em normas constitucionais, ordinárias, regulamentares e internacionais [42].
A reiterada omissão do Estado brasileiro em oferecer condições de vida minimamente digna aos detentos exige uma intervenção enérgica do Judiciário para que, pelo menos, o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana lhes seja assegurada, não havendo margem para qualquer discricionariedade por parte das autoridades prisionais no tocante a esse tema.

Sim, porque, como já assentou o Ministro Celso de Mello, não pode o Judiciário omitir-se “se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional[43].

Nessa senda, entendo ser de todo imprópria a alegação – no mínimo bizarra – veiculada pela União, na petição de fls. 455-485, segundo a qual

“(…) a distribuição de recursos entre as diferentes ações prestacionais realizadas pelo Estado reflete não apenas a sua situação econômica em determinado momento histórico, mas também as diretrizes políticas definidas pelo governo da maioria.
(…)
O que se percebe é que, ao mesmo tempo em que assegurou aos presos o direito ao tratamento íntegro, a Carta Republicana negou-lhes o acesso direto ao embate democrático. Essa negativa parece assomar como o principal motivo pelo qual os condenados não conseguem influir nas decisões orçamentárias. E o alheamento desse momento decisório possivelmente está a penalizá-los com a falta de recursos para investimento na modernização do sistema carcerário. Forma-se, em torno do destino dos encarcerados, um círculo vicioso, a sentenciá-los não apenas com a segregação física, mas também com o exílio político, social e econômico”.

Essa assertiva, penso, dispensa maiores comentários. Felizmente, as minorias, nas sociedades democráticas, embora nem sempre contem com adequada representação política para a tutela de seus direitos e interesses, têm assegurado, em maior ou menor extensão, o acesso ao Judiciário, em que possam torná-los efetivos.


  1. Intervenção judicial impostergável

Como acredito haver exposto, ainda que em singelas pinceladas, o nosso histórico de inércia administrativa com relação à caótica situação dos estabelecimentos prisionais, bem como o lastimável desinteresse ou, até mesmo, a franca hostilidade da sociedade quanto a essa temática, permanentemente insuflada por uma mídia sensacionalista, permitem concluir que, se não houver uma decisiva ação judicial para corrigir tal situação, ela só tenderá a agravar-se, de maneira a tornar-se insustentável em poucos anos, como já antecipam as sangrentas rebeliões de presos, as quais de repetem, com macabra regularidade, em todas as unidades da federação.

Aqui vale consignar a pertinente provocação lançada por Rogério Greco, em obra destinada à reflexão acerca do assunto:

“Quando os telejornais mostram a situação carcerária, o sofrimento dos presos, amontoados em celas superlotadas, suplicando por melhora no sistema, será que essas cenas não têm o mesmo efeito espetacular que os suplícios que eram realizados em praça pública? Agora os locais públicos das execuções fazem parte do nosso lar. Não precisamos nos aprontar para sair de casa, a fim de assistir à execução do condenado. Podemos fazer isso sentados, confortavelmente, em nossos sofás” [44].

Na verdade há uma grande maioria de pessoas, soi-dissant “de bem”, que simplesmente não deseja o regresso de tais indivíduos na sociedade.

Olvidam-se, contudo, que esse retorno, um dia, fatalmente ocorrerá. Por isso, não é mais possível adiar o necessário debate consistente em antecipar as medidas para que os egressos do sistema prisional tenham a efetiva possibilidade de reinserção na vida social, seja ele travado por simples pragmatismo, quer dizer, baseado em considerações de segurança pública, seja ainda por mero espírito humanitário, isto é, motivado pelo benfazejo amor ao próximo.


  1. Limites à prestação jurisdicional

Nesse ponto, cumpre esclarecer que, não se está a afirmar que é dado ao Judiciário intervir, de ofício, em todas as situações em que direitos fundamentais se vejam em perigo. Dito de outro modo, não cabe aos magistrados agir sem que haja adequada provocação ou fundados apenas em um juízo puramente discricionário, transmudando-se em verdadeiros administradores públicos.

Aos juízes só é lícito intervir naquelas situações em que se evidencie um “não fazer” comissivo ou omissivo por parte das autoridades estatais que coloque em risco, de maneira grave e iminente, os direitos dos jurisdicionados.

Em nenhum momento aqui se afirma que é lícito ao Judiciário implementar políticas públicas de forma ampla, muito menos que lhe compete “impor sua própria convicção política, quando há várias possíveis e a maioria escolheu uma determinada”[45].

Não obstante, o que se assevera, com toda a convicção, é que lhe incumbe, em casos como este sob análise, exercer o seu poder contra-majoritário, oferecendo a necessária resistência à opinião pública ou a opções políticas que caracterizam o pensar de uma maioria de momento, flagrantemente incompatível com os valores e princípios básicos da convivência humana.

Conforme bem observado pelo representante do Parquet gaúcho (fls. 420-423), o recorrido jamais contestou o péssimo estado de conservação do Albergue Estadual de Uruguaiana, o qual, inclusive, cumpre lembrar, acarretou a morte de um de seus detentos devido à deterioração de suas instalações elétricas.


  1. Pretensa falta de verbas

Clara está, a meu sentir, a grave omissão por parte das autoridades responsáveis pelo sistema prisional. Aponto, nesse sentido, que verbas para melhorá-lo não faltam. Apenas para ilustrar, registro que consta do sítio eletrônico do Ministério da Justiça, que, no âmbito federal, a principal fonte de recursos para financiamento das atividades de modernização e aprimoramento dos presídios brasileiros é o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, gerido pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN/MJ [46].

Segundo dados do próprio DEPEN, até 2013, por exemplo, foram investidos cerca de R$ 1.583.640.000,00 (um bilhão, quinhentos e oitenta e três milhões e seiscentos e quarenta mil reais) em construções, reformas ou ampliações em estabelecimentos penais, o que representaria, na projeção por ele realizada, a disponibilização de 52.340 (cinquenta e duas mil, trezentos e quarenta) novas vagas nos sistemas estaduais [47].

Causa perplexidade que o referido Fundo tenha arrecadado, até junho de 2015, a considerável importância de R$ 2.324.710.885,64 (dois bilhões, trezentos e vinte e quatro milhões, setecentos e dez mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e sessenta e quatro centavos)[48]. E mais, saber que basta aos entes federados, para acessar essas verbas, que celebrem convênios com a União para executar projetos por eles mesmos elaborados e submetidos ao DEPEN.

O que, porém, causa verdadeira espécie é que o emprego dessas verbas orçamentárias mostrou-se decepcionante: até 2013, foram utilizados pouco mais de R$ 357.200.572,00 (trezentos e cinquenta e sete milhões, duzentos mil e quinhentos e setenta e dois reais). De um lado, em virtude do contingenciamento de verbas do Fundo, e, de outro, em face da inconsistência, mora ou falha na execução dos projetos concebidos pelos entes federados [49].

A título ilustrativo, menciono, por oportuno, reportagens veiculadas nos portais de notícias “IG” e “G1”, as quais traziam, respectivamente, em 16/11/2013 e 30/1/2014, as seguintes manchetes: “Estados perdem R$ 135 milhões destinados a investimentos em presídios[50] e “Estados deixam de construir prisões e devolvem R$ 187 milhões à União”[51], corroborando as impressões acima expostas.

Vê-se, pois, que, embora complexo, o problema prisional tem solução, especialmente quanto à disponibilidade de verbas, bastando que a União e os Estados conjuguem esforços para resolvê-lo, superando a sua histórica inércia ou, quem sabe, a persistente ausência de vontade política para atacá-lo de frente.


  1. Prison reform cases nos EUA

Em que pesem as diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos no tocante ao tipo de federalismo adotado e, consequentemente, aos modelos de organização judiciária, trago à colação, por oportuno, ainda que de forma panorâmica, os denominados prison reform cases norte-americanos, a saber, a série de intervenções pretorianas que gradualmente alteraram o sistema penitenciário daquele país[52].

Nos Estados Unidos, até meados da década de 1960, vigorava a política dohands off era (ou doctrine) com relação ao writs impetrados pelo presos que alegavam a inadequação de suas condições de encarceramento[53].

Diante disso, diferentes entidades de defesa de direitos humanos passaram a ajuizar ações coletivas (class actions) para enfrentar os graves problemas dos presídios norte-americanos.

Em resposta a elas, e tendo em conta o comando genérico contido na Oitava Emenda, que veda penas cruéis ou incomuns, diversas medidas saneadoras foram determinadas pelo Judiciário para a melhoria das condições carcerárias, não obstante a detecção de um óbice inicial, consistente na

“(…) ausência de padrões bem definidos para as prisões, havendo de desenvolver-se um conceito de estabelecimento prisional adequado, minudenciando-se em sede judicial desde o espaço mínimo das celas, passando-se pelos banhos diários, até a potência mínima da luz interna(…)”[54].

Obviamente, não foi simples o processo em que se deu essa mudança de paradigma judicial, visto que envolveu discussões sobre a estrutura federal e o princípio da separação de poderes.

Lá, como cá, enveredou-se igualmente pelo debate sobre a possibilidade de o Judiciário imiscuir-se em temas relativos a políticas públicas. Mas essa última questão foi superada, valendo trazer à baila as inovadoras ponderações feitas por Malcolm Feeley e Edward Rubin, professores da Berkeley’s School of Law, da Califórnia, em obra específica sobre o tema:

“Cortes desempenham três interrelacionadas, mas distinguíveis funções: determinam fatos, interpretam textos legais de grande autoridade, e realizam novas políticas públicas. As duas primeiras funções são familiares, porém a terceira é carregada com a força da blasfêmia”[55].


O que se verificou foi que, em determinado momento, o Judiciário norte-americano, quando confrontado com a prática de violações aos direitos dos presos, lançou mão de princípios morais e constitucionais genéricos para, ante a ausência de lei ou de precedentes judiciais, criar uma nova doutrina para solucionar os problemas das prisões[56].

Como relatado pelos referidos especialistas:

“De repente, os abusos físicos dos prisioneiros, as miseráveis condições e a intolerável superlotação, a carência de cuidados médicos (…) forçou uma ação decisiva. Todas essas condições existiram por um século, claro, o que mudou de repente, em 1965, foi a percepção do judiciário sobre elas[57] (grifos meus).


Mais recentemente, em 2011, a orientação traçada na jurisprudência formada a partir de tal doutrina também pôde ser percebida no casoBrown v. Plata. A Suprema Corte americana, em votação majoritária, tendo igualmente por fundamento a Oitava Emenda, assentou o seguinte entendimento, consubstanciado na opinião do Justice Kennedy:

A assistência médica e mental fornecidos pelas prisões da Califórnia cai abaixo do padrão de decência que é inerente à Oitava Emenda. Esta extensa e contínua violação constitucional exige um remédio, e um remédio não será alcançado sem uma redução na superlotação. O alívio ordenado pelo tribunal de três juízes é exigido pela Constituição e foi autorizado pelo Congresso no PLRA [Prison Litigation Reform Act]. O Estado deve implementar a ordem, sem mais delongas”[58].


Assim começou a reforma do sistema prisional dos EUA, que continua até os dias de hoje, com base em determinações judiciais, amparadas apenas em princípios de natureza moral e numa vaga proibição constitucional que proíbe sanções atrozes.


  1. Bases para as decisões judiciais

Vali-me acima do direito comparado como um estímulo à ação do Judiciário pátrio, pois, no caso dos EUA, muito embora inexistisse qualquer legislação que desse amparo aos encarcerados, lá operou-se toda uma revolução no sistema prisional a partir de decisões pretorianas.

No Brasil, contudo, é importante salientar, temos uma clara vantagem em relação àquele histórico: há toda uma sorte de instrumentos normativos aptos a assegurar essa proteção.

Em outras palavras o Judiciário, aqui, não precisa partir do zero, construindo uma doutrina com base em princípios morais ou valores abstratos, eis que temos, repito, um robusto conjunto normativo, tanto no âmbito nacional como no internacional, que dá ampla guarida à ação judicial voltada à proteção dos direitos dos presos.

Ainda que elas não existissem, bastaria para autorizar a intervenção do Judiciário, nessa seara, a sistemática violação ao princípio da dignidade humana, somada ao conceito mais do que assentado na criminologia de que a finalidade das sanções penais consiste primacialmente em promover a ressocialização do cidadão que violou a lei.

Transcrevo, a título ilustrativo, trecho da ementa do HC 94.163/RS. Rel. Min. Carlos Brito, na qual a Primeira Turma desta Corte deixou assentado que

(…) a Lei 7.210/84 institui a lógica da prevalência de mecanismos de reinclusão social (e não de exclusão do sujeito apenado) no exame dos direitos e deveres dos sentenciados. Isto para favorecer, sempre que possível, a redução das distâncias entre a população intramuros penitenciários e a comunidade extramuros.
(…)
  1. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei (no caso, a LEP) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). Mais: Constituição que tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo de nossa Constituição caracteriza como ‘fraterna’.
(…)” (grifos meus).
Em face desse julgado, creio que mais não é preciso acrescentar sobre esse candente tema.

  1. Parte dispositiva

Ante o exposto e o mais que consta dos autos, sobretudo tendo em conta o princípio da inafastabilidade da jurisdição, dou provimento ao recurso extraordinário para cassar o acórdão recorrido, a fim de que se mantenha a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau.

A tese de repercussão geral que proponho seja afirmada por esta Suprema Corte é a seguinte: “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”.

É como voto.
______________________________________________________
[1] Art. 5º, XLIX: “é assegurado aos presos o respeito à sua integridade física e moral.
[2] MIRABETE, Julio Fabbbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1991, p. 24.
[3] Art. 5º, XXXIX, da CF.
[4] NORONHA, Magalhães Edgard. Direito Penal. 1º vol. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1970. p.28.
[5] ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais do Direito Penal. Lisboa: Veja, 1986.p.40.
[6] MAIA, Clarissa Nunes et al (org.). História das prisões no Brasil.Volume I. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 9.
[7] Idem, ibidem. p. 287.
[8] Idem, ibidem. p. 288.
[9] Idem, ibidem. p. 310.
[10] Idem, ibidem. pp. 284-285.
[11] Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf/view>. Acesso em 12.08.15. Acesso em 29/06/15.
[13] Disponível em: <http://www.vepema.com.br/novosite/wa_files/relatrio-es-cnj.pdf>. Acesso em 12.08.2015.
[15] Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJE9614C8CITEMIDA5701978080B47B798B690E484B49285PTBRIE.htm>. Relatório de inspeção em estabelecimentos prisionais do Rio Grande do Sul na data de 24 de agosto de 2009. Acesso em 12.08.2015.
[17] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 93.
[18] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 62.
[19] Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf/view>. Acesso em 12/8/2015.
[20] FRAGOSO, Heleno et alDireitos dos Presos. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 81.
[21] Idemloc.cit.
[22] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 38.
[23] Idem, ibidem. p. 37.
[24] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7ª ed. Coimbra: Almedina. p. 225.
[25] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.
[26] LEP – Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
[27] WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2a ed. Campinas: Bookseller, 2000. pp. 58-59.
[28] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. Volume 3.20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 171.
[29] RULLI JÚNIOR, Antônio. Universalidade da jurisdição. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 141.
[30] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1992. p. 352.
[31] LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. A proteção dos direitos humanos na ordem interna e internacional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 177.
[32] Art. 64. Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no exercício de suas atividades, em âmbito federal ou estadual, incumbe:
I – propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança;
II – contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária;
III – promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua adequação às necessidades do País;
IV – estimular e promover a pesquisa criminológica;
V – elaborar programa nacional penitenciário de formação e aperfeiçoamento do servidor;
VI – estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de estabelecimentos penais e casas de albergados;
VII – estabelecer os critérios para a elaboração da estatística criminal;
VIII – inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim informar-se, mediante relatórios do Conselho Penitenciário, requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu aprimoramento;
IX – representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em caso de violação das normas referentes à execução penal;
X – representar à autoridade competente para a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal (grifos meus).

[33] Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-papel-do-juiz-na-efetiva%C3%A7%C3%A3o-dos-direitos-humanos. Acesso em: 12.08.2015.
[34] RE 349.703/RS.
[36] Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr>. Acesso em 12.08.2015.
[37] IF 5.129/RO.
[38] Para informações mais detalhadas ver:
[39] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9a ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. pp. 299-300.
[40] “Art. 109 – (…)
  • 5º – Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
[41] Sobre o tema vide: CAZETTA, Ubiratan. Direitos humanos e federalismo: o incidente de deslocamento de competência. São Paulo: Atlas, 2009.
[42] SCAFF, Fernando Facury. Sentenças aditivas, Direitos Sociais e Reserva do Possível. In: Revista Dialética de Direito Processual, n. 51, p. 90, jun. 2007.
[43] ADPF 45-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello. Confira-se, a propósito, a ementa dessa decisão monocrática:
“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)’.
[44] GRECO, Rogério. Direitos humanos, sistema prisional e alternativas à privação da liberdade. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 191.
[45] Idem, ibidem. p. 256.
[46] Esse fundo é constituído por recursos da União arrecadados dos concursos de prognósticos, recursos confiscados ou provenientes da alienação de bens perdidos em favor da União Federal, multas decorrentes de sentenças penais condenatórias transitadas em julgado, fianças quebradas ou perdidas, e rendimentos decorrentes da aplicação de seu patrimônio. O programa perdeu importante uma fonte de custeio, as custas judiciais, devido à aprovação da Emenda Constitucional 45/2004. Informações disponíveis em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={C0BE0432-C046-47D6-916A-9A3CF77E3AF5}&BrowserType=NN&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7B962415EA-0D31-4F48-ACAF-D9ED8FB27E6E%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>. Acesso em 12.08.2015.
[47] Dados obtidos junto à Coordenação de Engenharia e Arquitetura do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça – Depen/MJ, em 30.06.2015.
[48] Sobre as políticas penitenciárias capitaneadas pelo Depen/ MJ, ver, especificamente, http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2. Acesso em 30.06.2015.
[49] Dados obtidos junto à Coordenação de Engenharia e Arquitetura do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça – Depen/MJ, em 30.06.2015.
[52] Sobre o tema ver: FEELEY, Malcolm e RUBIN, Edward. Judicial policy making and the modern state: how the courts reformed America’s prisons.Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1998. Confira-se também GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas.Rio de Janeiro: Forense, 2003. pp. 173 e ss.
[53] Postura de resistência quanto à intromissão do Judiciário dos EUA em matéria que considerava sujeita à discricionariedade da Administração.
[54] GALDINO, Flávio. Estudos sobre a adequação do sistema de litigância dos prison reform cases norte-americanos ao direito brasileiro. In:Arquivos de direitos humanos. Rio de Janeiro, v. 6, 2006. p. 73.
[55] FEELEY, Malcolm e RUBIN, Edward. Op. cit. p. 1 (tradução livre).
[56] GOUVÊA, Marcos Maselli. Op. cit. p. 181.
[57] FEELEY, Malcolm e RUBIN, Edward. Op. cit. p. 160 (tradução livre).
[58] “The medical and mental health care provided by California’s prisons falls below the standard of decency that inheres in the Eighth Amendment. This extensive and ongoing constitutional violation requires a remedy, and a remedy will not be achieved without a reduction in overcrowding. The relief ordered by the three-judge court is required by the Constitution and was authorized by Congress in the PLRA. The State shall implement the order without further delay”.

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