O acordo feito entre o governo federal e todos os governadores do país para a renegociação da dívida dos estados tinha duas premissas básicas: a União faria refinanciamento dos valores devidos desde que houvesse contrapartida dos estados na gestão dos gastos com pessoal. Depois de chegar ao Congresso Nacional para votação, o PLP 257 começou a ser desfigurado pelos deputados e, do jeito que a coisa anda, o acordo acertado entre os governadores e a gestão federal vai ficar perneta, ou seja, vai sobrar só a parte dele, a do perdão das dívidas.

“O PL só faz sentido com as duas pernas – o refinanciamento e as contrapartidas. Do ponto de vista da União, só faz sentido fazer a ponte de 24 meses (carência para pagamento integral da dívida) se os estados se comprometerem com a redução dos gastos correntes. Se passar só o alongamento da dívida e não passar o instrumento de redução dos gastos, ou seja, a permissão para fazer o ajuste na folha de pagamento, os estados não vão conseguir cumprir o limite proposto pela PEC dos Gastos que vai ser votada em seguida”, disse ao Blog em entrevista exclusiva o Secretário de Fazenda de São Paulo, Renato Vilela.

A PEC dos Gastos é a segunda etapa do roteiro preparado por Henrique Meirelles e sua equipe para o ajuste fiscal. A proposta prevê um limite para o aumento dos gastos para conter o endividamento e evitar que governos sejam irresponsáveis com aumento de despesas independentemente do crescimento da economia ou do comportamento das receitas com impostos. A PEC valerá para todas as esferas públicas e os estados teriam que adotar o limite também – que, pela proposta, deve ser a inflação do ano anterior.

A folha de pagamento é hoje o maior problema das contas públicas, principalmente nos estados. Diferentemente do que acontece na esfera federal, nos entes subnacionais há uma variedade enorme de benefícios e vantagens que vão sendo incorporados aos salários, aumentando os gastos sem que haja, necessariamente, novas contratações. No caso da crise atual, a explosão dos cofres estaduais é uma mistura das duas coisas: a folha de pagamento cresceu para todos os lados. Para burlar os limites para este gasto já previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, os gestores dos poderes estaduais foram criando neologismos para não assumir o tamanho da conta e terem que se adequar aos limites da lei.

A maioria destes benefícios não está contabilizada como gastos com pessoal, além de outros exemplos como a mão de obra terceirizada nos estados. Além de não estarem na conta e por isso escapam à adequação ao teto com gastos da folha de pagamento, os auxílios distribuídos (moradia, escola, paletó, creche) também não pagam Imposto de Renda!

“Se o Congresso não aprovar a permissão para que os estados façam o ajuste na folha de pagamento, ninguém vai conseguir cumprir a PEC dos gastos. Para conseguirmos impor a redução dos gastos correntes, temos que ter o auxílio financeiro embutido no PL 257, mas precisamos também do instrumento para mexer na folha de pagamento – que é a outra ‘perna’ do projeto. Sem esta ferramenta, não temos nada para fazer porque a lei não permite demissão, corte de salário, nada”, explica Renato Villela.

Na Câmara dos Deputados, os sindicatos e representantes dos servidores públicos estão fazendo pressão absurda para evitar que as contrapartidas sejam aprovadas – mesmo que elas não acabem com a garantia de emprego que só o setor público pode oferecer. Pelas mudanças já aceitas no projeto, o poder judiciário dos estados já está livre de respeitar os limites que precisam ser implementados. Outras categorias, claro, estão agora querendo o mesmo tratamento. Quem não?

“Eu temia que isto acontecesse porque a pressão dos sindicatos das categorias está muito forte desde março”, revela o secretário de São Paulo.

Mas se não tem como demitir as pessoas, por que fazer tanta pressão?

“Porque as vantagens do funcionalismo público estadual são muito boas. Por exemplo: licença prêmio, incorporação por tempo de serviço, ou seja, depois de cinco anos, a gratificação recebida pelo servidor é incorporada ao salário e tudo isto é levado para a aposentadoria. No governo federal isto não existe mais há muitos anos. A ideia compartilhada entre a União e os gestores estaduais era unificar o tratamento funcionalismo publico pelo mesmo que é dado na esfera federal. O PL 257 reveria isso”, explica Renato Villela.

Então os governadores não querem a desfiguração do PL no Congresso?

“Não. Para os governadores é ruim esta mudança, para os gestores das contas públicas é muito ruim. Claro que houve exagero lá atrás na contratação e na concessão dos benefícios, mas agora não temos mais como conviver com isso. Além do mais, eu não consigo entender, com a situação que estamos com mais de 11,5 milhões de desempregados, a crise fiscal e a recessão, o funcionário publico achar que tem direito a tudo isso. Como essa pessoa chega em casa e fala com um vizinho que perdeu emprego? ‘Ah, eu exijo aumento de salário!’. Não consigo entender falta de solidariedade. É trabalhador contra trabalhador”, desabafa o secretário da Fazenda de SP. 

Fonte:  http://g1.globo.com/economia/blog/thais-heredia/post/nao-consigo-entender-falta-de-solidariedade-diz-secretario-da-fazenda-de-sp.html