22 fevereiro 2018

Brasil tem média de 7 presos por agente penitenciário; 19 estados descumprem limite recomendado - G1

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária recomenda que haja um agente para cada cinco presos nas unidades prisionais. Em 5 anos, pelo menos 594 agentes ficaram feridos nas prisões; 9 morreram. Carcereiros reclamam da falta de investimentos e relatam rotina de medo.







As prisões brasileiras têm uma média de 7 presos por agente penitenciário. É o que mostra um levantamento feito pelo G1 dentro do Monitor da Violência com base nos dados mais atualizados dos 26 estados e do Distrito Federal. São mais de 686 mil presos sob a custódia de 98 mil agentes em todo o país.



Brasil tem uma média de 7 presos para cada agente penitenciário



O Monitor da Violência é resultado de uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).


A proporção mínima desejável é de um agente para cinco presos, segundo uma resolução de 2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ela foi baseada na proporção média dos países europeus e tem o objetivo de servir de critério para a análise dos projetos encaminhados pelos estados ao Ministério da Justiça para a construção de unidades penais com recursos da União. De acordo com a pasta, a norma continua válida hoje.


O levantamento revela que:


O Brasil tem uma média de 7 presos para cada agente (o ideal é até 5)
Mais de 2/3 dos estados descumprem o recomendado por uma resolução
Pernambuco tem o pior indicador: 20 presos por agente
Em cinco anos, 9 morreram, 300 foram feitos reféns e 594 ficaram feridos



Segundo o levantamento do G1, apenas 8 estados do país têm médias que se enquadram na recomendação. São eles: Acre, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Rondônia e Tocantins. Como é uma média estadual, isso não quer dizer que todas as prisões destes estados têm menos de cinco presos por agente, mas que, no geral, os estados estão dentro do recomendado.


No Tocantins, há uma média de 2,6 presos por agente – a menor do país. São 1.387 agentes para 3.595 presos. O governo informa ainda que há um processo de abertura de 1,2 mil vagas de agentes em 2018, o que deve melhorar ainda mais o índice. O sindicato, no entanto, contesta o número, alegando que há menos agentes atuando, e reclama das más condições de trabalho e da falta de segurança.


Já os outros 19 estados estão acima do recomendado. A pior situação é encontrada em Pernambuco, com 20 presos para cada agente penitenciário, em média. Pernambuco ainda se destaca negativamente em relação à superlotação das suas cadeias, já que é o estado com mais presos por vaga do país (quase 3).


São Paulo, que tem a maior população carcerária do país, com 225,9 mil presos, tem também o maior contingente de agentes, 30,8 mil. Apesar disso, a proporção de presos por agente está acima do recomendado: 7,3.

Segundo Renato Sérgio de Lima e Roberta Astolfi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 21 estados tiveram aumento no número de agentes prisionais no último ano. "Ou seja, estamos consumindo nossos escassos recursos fiscais e humanos sem resultados visíveis. Os agentes são como escudos humanos, deixados à própria sorte e risco, mas que pelas atuais condições e falência das políticas criminais e penitenciárias não deterão o poder das facções criminosas."



'Babá de preso'




Agentes penitenciários ouvidos pelo G1 reclamam da falta de concursos e de investimentos na área e dizem que têm de exercer várias funções além daquelas pelas quais são (normalmente mal) remunerados. Eles falam que as facções hoje realmente dominam os presídios no país e que é preciso repensar o sistema de aprisionamento em massa.


Mickael Fabrício, agente penitenciário há 11 anos em Alagoas, diz que o número de integrantes de facções criminosas tem crescido muito na última década, o que tem dificultado o trabalho dos agentes. "Existem duas grandes facções que exercem alguma influência no estado, que são o PCC e o Comando Vermelho. A gente tem de separar as duas. Só que elas tentam todo o tempo dentro das prisões impor as suas leis, tentam intimidar os servidores, fugir. Tentam manter comunicação com o mundo exterior."


Um agente de Goiás que prefere não se identificar diz que não é novidade que "as facções ditam as regras dentro das prisões". "E os presos obedecem. Quem não obedece, você vê nas televisões [o resultado], cabeça cortada. O comando é imposto pela violência", conta ele, que trabalha há quase 30 anos na função.

Segundo ele, o agente hoje desempenha diversas funções além das requeridas pelo cargo.




“O agente é carcereiro, psicólogo, enfermeiro, carteiro, motorista, não sei o que não é. Até babá de preso tem que ser porque tem de levar no hospital e não tem uma pessoa para ficar lá com ele”, diz o agente de Goiás.


Um agente de Pernambuco que também pede para não ser identificado por medo de represálias completa: "Muitas vezes, o preso é abandonado pela família. Aí ele só tem você. Você passa 24 horas lá. Ele vai chegar para conversar com você e você tem que aconselhá-lo”.


Juscélio Álvares, agente no Rio Grande do Norte há oito anos, diz que é preciso repensar o sistema. "A gente muitas vezes acha que prender o criminoso e jogar numa cela soluciona o problema. Ao contrário, ali está nascendo uma nova roupagem do crime. Ele vai apenas se especializar. Às vezes a Polícia Militar faz um excelente trabalho ostensivo. Mas aí entra um preso onde já estão outros 10, 20, 30. E eles vão se unir e se organizar em uma facção. Isso tudo explode e volta para a sociedade.”




"Todo mundo tem um sonho na vida. Quer ser policial, quer ser médico, quer ser piloto. Mas ninguém sonha em ser agente penitenciário. Ninguém. A gente vive num limbo. O agente penitenciário é quase uma figura desfocada.”



Medo e insegurança



Segundo os agentes penitenciários, os problemas de superlotação e de falta de investimento nas prisões colaboram com o sentimento de insegurança do próprio trabalhador.


"Você, na tua função, tem que impor. E fica aquela ameaça, aquele clima pesado de ‘vai ter problema, vai ter retaliação’. E você nunca sabe quando vai acontecer”, diz um agente penitenciário do Paraná que não quis se identificar.


Segundo um agente de Goiás que também prefere não se identificar, "o mais difícil no trabalho é manter a integridade do próprio agente".


"A gente não tem segurança dentro do presídio e, muito menos, na rua. Já fui ameaçado de morte muitas vezes. Vários amigos meus foram mortos nesses 30 anos. Temo pela minha vida, da minha família”, diz o agente.




O presidente do Sindicato dos Inspetores Penitenciários (Sindepes) do Espírito Santo, Sostenes Araújo, diz que a vida nunca mais é a mesmaapós o início da carreira. Há oito anos, desde quando se tornou inspetor, ele não joga futebol na praça do bairro onde cresceu por medo. “Eu não vou nem à igreja sem estar armado. Até para a praia eu levo a arma. O sono não é o mesmo, a gente não senta nem de costas para a janela”, conta.


Mortos e feridos




O medo e a insegurança não são infundados. Considerando os 22 estados que informaram total ou parcialmente os dados de violência contra agentes penitenciários, é possível dizer que pelo menos 594 agentes foram feridos nas prisões do país nos últimos cinco anos. Exatamente 300 agentes foram feitos reféns; 9 morreram.


As circunstâncias dos ferimentos e das mortes são diversas. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, 30 agentes foram feridos desde 2014. Um agente foi morto no dia 12 de fevereiro de 2015 em uma unidade de regime aberto de Campo Grande, e o caso foi registrado como homicídio. Duas agentes também foram feitas reféns no presídio feminino de Três Lagoas em novembro de 2016 porque internas pediam transferência.


Nem todos os casos, porém, são resultado da violência com os presos. Em Mato Grosso, dos 5 feridos desde 2013, dois foram por conta de disparos de armas de fogo feitos pelos próprios agentes.


No Rio Grande do Sul, o único caso de morte de agente penitenciário nos últimos 5 anos foi registrado como suicídio. A situação é igual à de Minas Gerais.


São Paulo e Pará foram os estados que mais registraram agentes feridos entre 2014 e 2017: 302 e 143, respectivamente. As circunstâncias também são variadas. Em setembro do ano passado, por exemplo, dois agentes foram feitos reféns e ficaram feridos no Centro de Recuperação Regional de Tucuruí, no sudeste do Pará. Uma rebelião começou após a briga de dois presos, e um detento foi morto durante o motim.


A Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará afirma, em nota, que o número alto de agentes penitenciários feridos se deve ao fato de os funcionários feitos reféns terem passado por atendimento psicológico, "independente de terem sofrido escoriações com maior ou menor gravidade". O estado lidera em número de agentes penitenciários feitos reféns, com 44 funcionários nessa situação apenas em 2017.



O levantamento do G1 não leva em conta mortes fora das prisões. Ou seja, a situação é muito mais grave se forem contabilizados esses casos. Só em São Paulo, por exemplo, houve 46 assassinatos de agentes no período.


Nos últimos cinco anos, não houve agentes feridos no Amazonas, no Distrito Federal, no Espírito Santo, na Paraíba, no Rio de Janeiro, em Rondônia, em Roraima e em Santa Catarina. Os estados de Bahia, Goiás, Paraná e Piauí enviaram dados incompletos e, por isso, não foi possível analisar os últimos anos.


Já Acre, Alagoas, Ceará, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Sergipe não forneceram quaisquer dados sobre agentes penitenciários feridos.


Falta de transparência



A equipe de reportagem teve problemas para conseguir os dados de agentes penitenciários em diversos estados. O G1 solicitou o número de agentes nos últimos cinco anos para cada estado, bem como os registros de agentes feridos, mortos ou feitos reféns nos presídios. Apenas 14 dos 27 estados passaram os dados completos.


No Amazonas, que tem presídios com administração privada, o governo afirma que tem apenas 65 agentes concursados e não sabe informar o total de agentes trabalhando nos presídios administrados pela empresa Umanizzare. O G1 teve de consultar a empresa, que diz que são 858 agentes de socialização atuando em seis unidades prisionais.



Já os estados de Pernambuco e Espírito Santo inicialmente alegaram que os números não podiam ser informados por questões de segurança. Posteriormente, porém, os dados foram informados, sendo que no caso do governo pernambucano isso aconteceu por meio da Lei de Acesso à Informação.


No caso do Piauí, a Secretaria de Justiça não sabe precisar o número exato de agentes e diz apenas que o contingente no estado é de cerca de 800 servidores.


Participaram desta etapa do projeto:
Coordenação: Athos Sampaio e Thiago Reis
Dados e reportagem: Clara Velasco e Gabriela Caesar
Pré-produção: Megui Donadoni

Produção: Cau Rodrigues e Derek Gustavo (G1 AL), Adneison Severiano (G1 AM), John Pacheco (G1 AP), André Teixeira e Cínthia Freitas (G1 CE), Manoela Albuquerque (G1 ES) Juliana Peixoto, Marina Pereira e Valdivan Veloso (G1 Grande MG), Paula Resende (G1 GO), Henrique Soares, Marina Meireles e Pedro Alves (G1 PE), Erick Gimenes (G1 PR), Anderson Barbosa (G1 RN)


Imagens: Acervo/TV Globo, Adneison Severiano, Cleber Dantas, Denise Jorge Jacinto Branco, John Pacheco, Jorge Melo, Manoela Albuquerque, Marcos Roberto, Mateus Bandeira, Paula Resende, Ricardo Muiños


Roteiro (vídeos): Beatriz Souza
Edição (vídeos): Eduardo Palácio
Edição (infografia): Rodrigo Cunha
Design: Alexandre Mauro, Karina Almeida e Igor Estrella

Fonte: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/brasil-tem-media-de-7-presos-por-agente-penitenciario-19-estados-descumprem-limite-recomendado.ghtml

2 comentários:

  1. Sabemos que SP a falta de agente e muito mais que isto governo enganando o povo.

    ResponderExcluir
  2. No Rio de Janeiro temos unidades prisionais onde a proporção é de 500 presos para a custódia e vigilância de cada 1 inspetor penitenciário. O levantamento do G1 está totalmente equivocado.

    ResponderExcluir

Os comentários postados pelos leitores deste blog correspondem a opinião e são responsabilidade dos respectivos comentaristas.