18 de abril de 2014 | 2h 05
O Estado de S.Paulo
A realidade das unidades de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, e de Taubaté, no interior, descrita no livro Hospital de custódia: prisão em tratamento, que traz o resultado de uma fiscalização do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremesp), não é surpreendente. É aterradora. O desmazelo que os fiscais encontraram nos hospitais em que são internados condenados por crimes portadores de transtornos mentais não poderia diferir do inferno das prisões nem das condições dos hospitais públicos em geral, e dos psiquiátricos em particular. Então, não é surpreendente. Mas a descrição do que foi encontrado choca pelo cenário de descuido e inadequação das instalações às funções a que se destinam, o que revela insensibilidade e incompetência da gestão pública.
Conforme reportagem de Fabiana Gambicroli publicada no Estado (14/4), "entre os principais problemas apontados pelo Cremesp estão a péssima estrutura física e a ausência de um tratamento adequado para os internos. Na maioria das unidades, a limpeza era quase inexistente. Havia restos de comida embaixo das camas, quartos com urina e fezes e cheiro forte de fumaça de cigarro nos ambientes em que os pacientes dormiam". Embora a inspeção se tenha limitado a três unidades, seria ingenuidade imaginar que o cenário é muito diferente nas outras. Para dizer o mínimo, esta é a rotina da grande maioria dos 1.070 pacientes que sofrem de transtornos mentais e cometeram crimes.
A fiscalização, feita de maio a julho de 2013, constatou que esses "hospitais de custódia" se limitam a medicar os pacientes. Nas unidades faltavam psiquiatras, psicólogos, farmacêuticos e terapeutas ocupacionais. "Nenhuma das unidades apresentou laudo de Vigilância Sanitária nem do Corpo de Bombeiros", contou o psiquiatra forense Quirino Cordeiro, do Cremesp, um dos coordenadores da fiscalização. Numa das unidades visitadas havia apenas 28 dos 72 profissionais de saúde necessários. "Na maioria dos locais, no período da noite não há médico plantonista. Muitas vezes os agentes de segurança penitenciários fazem o papel de farmacêuticos ou de auxiliares de enfermagem", disse Cordeiro. Segundo ele, não há tratamento individualizado. Por isso, os remédios são aplicados, muitas vezes, "em doses mais elevadas".
A principal consequência desse descalabro é a completa inadequação dos hospitais para suas funções de tratar os pacientes que lhes são enviados para que possam voltar à vida normal. "Esses pacientes, quando cometeram crimes, estavam doentes, não tiveram dolo nem culpa e por isso não receberam uma pena, mas, sim, uma medida de segurança para que possam ser tratados. Só que, sem esse tratamento, o quadro deles só piora e eles acabam condenados à prisão perpétua, já que, sendo tratados dessa forma, nunca estarão aptos a retornar ao convívio social", disse o psiquiatra Mauro Aranha de Lima, vice-presidente do Cremesp. De acordo com o Código Penal, o paciente em medida de segurança, caso de tais internados, deveria de ser avaliado de novo após um ano por um perito.
Internações por um período acima do necessário criaram um problema a mais além dos descritos na fiscalização: a falta de vagas nos hospitais de custódia. Segundo o juiz-corregedor dessas instituições, Paulo Eduardo de Almeida Sorci, "hoje temos 500 pessoas presas em penitenciárias aguardando vagas nos hospitais". Ou seja: o tratamento inadequado aumenta a lotação dos hospitais e também contribui para superlotar os presídios.
Os portadores de transtornos mentais internados em instituições penais por crimes são uma faceta cruel do pouco-caso de certos gestores públicos para assuntos graves. Esquecidos de que podem administrar de maneira eficiente os parcos recursos orçamentários, tais gestores não ligam para essas instituições que exigem atenções especiais e verbas adequadas para sua manutenção. O relatório da fiscalização do Cremesp nos hospitais de custódia paulistas é o trágico retrato de uma realidade cruel que a administração pública nem sequer se interessa em resolver.
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