Cerca de 2.100 detentos vivem amontoados, com sarna, sem medicamentos e cobertores em celas inundadas de água com mais de 40 pessoas cada
Manhã de quarta-feira, 11 de junho de 2014. É “dia do jumbo” no Centro de Detenção Provisória Luis César Lacerda, em São Vicente. O termo de “cadeia” dá nome ao dia de entrega de mantimentos pelos familiares dos detentos. Uma vez por semana, os parentes podem levar alimentos, medicamentos, roupas e outros artigos para os presos. Neste dia, diferente do dia de visita, eles não entram no centro de detenção a não ser para consulta com uma psicóloga. Foi ali que alguns deles se aproximaram da reportagem para denunciar uma série de irregularidades. Do lado de fora do CDP, uma fachada conservada e pintada que esconde, segundo esposas, mães e pais dos detentos, um centro de horrores que viola os direitos humanos.
O presidente da OAB Santos, Rodrigo Julião, e o presidente do Conselho Penitenciário do Governo do Estado de São Paulo, Matheus Guimarães Cury, visitaram a instituição prisional naquele dia para averiguar as denúncias recebidas. Enquanto a Reportagem os aguardava do lado de fora, ouviu os relatos dos familiares dos detentos.
"As condições são péssimas. A água está contaminada. Os presos estão com coceira e não tem médico. As celas estão superlotadas. Tive que trazer um colchão para o meu marido", disse "Nádia" (nome fictício), esposa de um detento que está preso há um mês, acusado de tráfico de drogas.
"Na terça-feira da outra semana (dia 3 de junho) morreu um preso de infarto por negligência aí dentro. A família não foi avisada de imediato e só descobriu à noite, naquele dia, depois de o advogado pedir informações do preso ao pessoal daí. O que a gente soube é que ele seria enterrado no dia seguinte como indigente", declarou "Maria" (nome fictício), a mãe de um detento acusado de roubo. Segundo ela, seu filho de 20 anos de idade é inocente e foi confundido com o verdadeiro assaltante por causa de uma tatuagem. "A gente vem aos domingos para visitar nossos filhos. Não tem móveis aí dentro e comemos no chão com eles", acrescentou.
Com capacidade para aproximadamente 750 detentos, abriga 2.100 (Foto: Matheus Tagé/DL)
Um pai angustiado observava a fila do "jumbo" naquela manhã, do outro lado da rua, e chamou a reportagem para alertar sobre a situação dos presos. O filho dele de 26 anos é réu primário e foi condenado por roubo há seis anos de reclusão. Já cumpriu um ano e seis meses e, segundo ele, já deveria ter sido transferido para uma penitenciária e teria direito ao benefício de progressão de pena. "Ele deveria ter saído daí desde janeiro, mas até agora não deram nada. Advogado só enrola. A condição aí dentro é subumana. Além da falta de higiene e da comida estragada que dão pros presos, quando tem blitz nas celas, os agentes jogam tudo fora: comida, remédios e até as roupas deles quea gente traz", denunciou "Antonio" (nome fictício). "É humilhante a forma como os familiares são tratados aí dentro", complementou.
"No dia de visita, é humilhante. As agentes que nos revistam nos tratam mal, somos obrigadas a entrar de 15 em 15 para a revista, temos que tirar toda a roupa, ficamos nuas, e nos mandam agachar três vezes. Não cabem direito 15 mulheres na sala e não tem espaço para agachar quando elas mandam. É constrangedor. Até as crianças têm que tirar as roupas. Nem bebezinho escapa", disse a esposa de outro detento a quem vou chamar de "Carina" (nome fictício).
Uma mãe indignada também recorreu à Reportagem para denunciar que não pôde entregar medicamento para dor de cabeça ao seu filho. Com a receita passada por um médico em nome do detento, a mãe desabafa: "Meu filho está com dor de cabeça e febre, e não quiseram receber o remédio porque a data da receita é de dezembro. Mas está aqui a receita com o nome do médico e do meu filho como eles pedem. Lá dentro não tem nem Paracetamol. Agora eu vou ter que pedir outra receita com a data atualizada para poder entregar o remédio. Enquanto isso, o meu filho vai ficar doente aí dentro com dor", disse "Laura" (nome fictício).
"Meu filho está com sarna. A sarna está virando quase uma epidemia aí dentro", disse outro pai à Reportagem. O filho de "João" tem 20 anos e foi preso por roubo há sete meses.
As identidades dos familiares que fizeram todos esses relatos à Reportagem foram preservadas porque, segundo eles, quando dão entrevistas à imprensa ou denunciam os problemas que ocorrem dentro do CDP, seus entes que estão detidos são "castigados" e eles podem ter a visita suspensa por um mês. Todas as denúncias foram comunicadas à Secretaria de Administração Penitenciária do Governo do Estado, que nada respondeu a respeito, enviando apenas uma longa nota institucional sobre as medidas que pretendem implantar no sistema prisional em geral. Leia retranca a seguir.
"Tivemos acesso às celas e constatamos realmente um número excessivo de presos por cela. Celas com capacidade para 12 pessoas com 43. Pessoas com sarna, tuberculose, com câncer sem tratamento há seis meses, reclamando de ausência de tratamento médico, falta de condições de higiene, infelizmente não tem um médico no local, ausência de acompanhamento técnico de psicólogos e psquiatras. O CDP está com esse problema e ao que conseguimos auferir, é em todo o Estado de São Paulo", afirmou o presidente da OAB Santos, Rodrigo Julião.
Após as constatações, o presidente da OAB disse que entrará em contato com todas as autoridades competentes para solicitar soluções para os problemas urgentes. "Agora, vamos relatar toda essa diligência que foi realizada: falta de colchão, infiltração nas celas, questões básicas de saúde e alimentação. Vamos tomar as medidas cabíveis juntos às autoridades competentes, em especial o Governo do Estado, à concessionária que presta os serviços de alimentação - recebemos muitas reclamações sobre alimentação -, o juízo de execuções penais - tem muita gente reclamando de já ter preenchido o tempo do benefício e não ter o benefício concedido estando aqui de forma irregular, por tempo excessivo ao admitido na lei".
"Vamos tentar fazer com que se dê celeridade às questões emergenciais, onde envolve alimentação e tratamento de saúde e na morosidade na fase judicial das penas, para diminuir esse sofrimento das pessoas que estão aí dentro", disse Julião.
A OAB Santos também deverá representar as denúncias junto ao Minitério Público
Somente naquela manhã, duas viaturas trazendo novos detentos deram entrada no CDP (Foto: Matheus Tagé/DL)
Julião afirmou que hoje o Centro de Detenção Provisória de São Vicente abriga aproximadamente 2.138 detentos, sendo que a capacidade é para cerca de 750. "Em torno de 680 pessoas não deveriam estar aqui. Condenados e pessoas que já deveriam estar cumprindo pena no regime semiaberto".
SAP abrirá processo seletivo para contratar médicos
Procurada pela reportagem sobre as denúncias relatadas por familiares dos detentos e pelo presidente da OAB Santos, a Secretaria da Administração Penitenciária confirmou em nota a ausência de médicos no CDP de São Vicente e que vai abrir processo seletivo para contratação imediata.
"No momento a unidade encontra-se sem médicos em seu quadro de servidores, porém, para sanar a questão está sendo aberto Processo Seletivo para contratação imediata de médicos. Observamos que sempre que necessário os presos são encaminhados para consulta, acompanhamento e tratamento em hospitais e estabelecimentos do gênero, sendo que somente este ano foi realizada 206 apresentações. Destacamos também que é garantida ao preso toda medicação prescrita por médico. Observamos ainda que desde o início do ano, o CDP passa por reformas nos pavilhões e automação das celas", esclareceu a SAP em nota.
A SAP revela os números de presos no Estado. "Em 2011, tivemos uma média mensal de entradas de pessoas presas nas unidades da SAP de 8.447 por mês, no ano seguinte, esse número passou para 8.949 presos/mês. Fechamos o ano de 2013 com uma média mensal de inclusão de 9.411 pessoas. Até o dia 31/05/14 a média mês estava em 9.128 inclusões.
Mesmo descontando as pessoas que saem do sistema prisional, no período entre 01/01/2011 e 09/06/2014, a população carcerária do Estado aumentou em mais 46.096presos além do que já tinha, uma média de 36,70 presos ao dia. Nos três primeiros anos de gestão do Governo Alckmin (2011 a 2013) a média de crescimento anual ficou em cerca de 12 mil detentos.
Em 09/06/2014, tínhamos 216.925 presos sob custódia da SAP. Esse número equivale a cerca de 40% da população prisional do Brasil e cabe ressaltar que a população do estado de São Paulo equivale a 20% da do País.
A fim de amenizar a situação prisional atual, o Governo do Estado criou o Plano de Expansão das Unidades Prisionais do Estado. Dentro do Plano, já foram inauguradas 14 novas prisões: Centro de Detenção Provisória de Franca, Centro de Detenção Provisória de Jundiaí, Centro de Progressão Penitenciária de São José do Rio Preto, Penitenciária Feminina II de Tremembé, Penitenciária Feminina de Tupi Paulista, Centro de Detenção Provisória de Taiúva, Centro de Detenção Provisória de Pontal e Penitenciária Feminina de Pirajuí, Centro de Detenção Provisória de Capela do Alto, Penitenciária Masculina de Capela do Alto, Centro de Detenção Provisória de Cerqueira César, Penitenciária Masculina de Cerqueira César, Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis e Centro de Detenção Provisória de Riolândia.
Estão sendo construídas 11 unidades penais nas seguintes cidades: Bernardino de Campos, Taquarituba, Icém, Piracicaba, Porto Feliz, Mogi Guaçu, Mairinque, Votorantim, Guariba, Itatinga e Florínea.
A SAP também informa que há muito tempo vem solicitando à Defensoria Pública, a designação de defensores públicos para atuarem nos CDPs para dar celeridade aos julgamentos dos processos dos reclusos. "O ideal seria que em cada CDP, por onde os presos entram no sistema penitenciário paulista, houvesse um defensor público, para acompanhamento da situação processual do preso a partir da data de sua prisão, não depois de condenado. Além disso, para aqueles condenados que já teriam direito ao regime semiaberto ou até à liberdade, o Governo do Estado solicitou ao Poder Judiciário maior celeridade no julgamento dos benefícios daqueles que merecem."
Estado tem déficit de 100 mil vagas em presídios
O presidente do Conselho Penitenciário do Governo do Estado, Matheus Cury, atribui à superlotação no CDP de São Vicente a falta de presídios e à morosidade da Justiça. "Faltam estabelecimentos prisionais adequados para receber essa população. O que acontece é o seguinte: hoje, 35% da população carcerária é constituída por presos provisórios. É muito! Considerando o estado constitucional de inocência previsto na Constituição Federal e considerando que a prisão é medida de exceção e que o juiz tem alternativas à prisão provisória e à prisão preventiva e pouco aplica. O que contribui muito para essa superpopulação carcerária, além do alto número de presos provisórios, aqueles tantos condenados também que já teriam direito a um benefício como a progressão de regime e livramento condicional, mas que a demora na prestação jurisdicional compromete a concessão desses benefícios", afirmou Cury. "Benefícios que deveriam ser aprenciados em 10, 15 dias, por vezes, demoram seis, oito meses, um ano. Até lá, muitas vezes, o preso já cumpriu a pena de ponta a ponta", complementou.
"O maior problema hoje no sistema penitenciário vem do Judiciário, não da Admnistração Penitenciária. A Administração Penitenciária tem que cumprir a decisão judicial. Então, numa ponta nós temos a polícia que prende, numa outra ponta um juiz que mantém a prisão ou solta, um juiz de condena e absolve, um juiz que dá o benefício ou não. E a Administração Penitenciária tem que acolher aquele que é detido pela polícia e só pode soltar mediante uma autorização judicial. A Administração Penitenciária está no meio desses dois polos. Falta um pouco de sensibilidade dos magistrados na apreciação dos direitos subjetivos do acusado para conceder a liberdade, os benefícios, etc ", explicou Cury.
Segundo Cury, 620 presos abrigados no CDP de São Vicente são condenados. "De 2.100, 620 são condenados aguardando uma transferência para uma penitenciária. Muitas vezes, eles são transferidos para lugares longínquos, a 400 km, 500 km da família porque na região tem só a Penitenciária 1 de São Vicente que não comporta abrigar esses 620 presos condenados".
O cumprimento da pena do condenado só acontece a partir da transferência para uma penitenciária. "Mesmo com a decisão, precisa aguarda uma vaga para que o preso seja acolhido numa penitenciária e tenha condições de trabalhar e ter a remissão da pena a cada três dias de trabalho, receber pelo trabalho praticado para ajudar a família", explicou Cury.
O Estado hoje tem um déficit de 100 mil vagas em penitenciárias. "São 212 mil presos para quase 100 mil vagas. Se o número de presos provisórios deminuísse e se os benefícios fossem apreciados a tempo pelo poder judiciário, a população carcerária diminuiria sensivelmente".
Diariamente, o número de pessoas que ingressa no Centro de Detenção Provisória é cinco ou seis vezes maior do que o número de saídas. "Em cada CDP do Estado chegam cerca de 25 a 30 pessoas por dia e saem cerca de 5 ou 6. A cada dia, entram no sistema penitenciário 48 presos a mais. São dois presos a mais por hora, 1.200 presos a mais por mês. Para dar conta dessa população carcerária nova, precisaria construir dois CDPs por mês para manter a superpopulação". Esses números são de presos a mais, além da população já existente.
Questionado sobre o que impede a construção de novas unidades prisionais, Cury apontou que os prefeitos são constrários, mas que o Estado tem orçamento para essas obras. "Faltam áreas, mas muitas vezes se consegue a área, mas o município não colabora. Os prefeitos não querem um presídio na localidade e acabam entrando com ações civis públicas e os juízes acabam concedendo liminares para barrar a construção do presídio. Então, enquanto isso persistir, fica difícil atuar na construção de presídios, mesmo assim a secretaria vem investindo na área. Recurso tem".
Fonte: http://www.diariodolitoral.com.br/conteudo/36274-cdp-de-sao-vicente-o-carcere-do-inferno
O presidente da OAB Santos, Rodrigo Julião, e o presidente do Conselho Penitenciário do Governo do Estado de São Paulo, Matheus Guimarães Cury, visitaram a instituição prisional naquele dia para averiguar as denúncias recebidas. Enquanto a Reportagem os aguardava do lado de fora, ouviu os relatos dos familiares dos detentos.
"As condições são péssimas. A água está contaminada. Os presos estão com coceira e não tem médico. As celas estão superlotadas. Tive que trazer um colchão para o meu marido", disse "Nádia" (nome fictício), esposa de um detento que está preso há um mês, acusado de tráfico de drogas.
"Na terça-feira da outra semana (dia 3 de junho) morreu um preso de infarto por negligência aí dentro. A família não foi avisada de imediato e só descobriu à noite, naquele dia, depois de o advogado pedir informações do preso ao pessoal daí. O que a gente soube é que ele seria enterrado no dia seguinte como indigente", declarou "Maria" (nome fictício), a mãe de um detento acusado de roubo. Segundo ela, seu filho de 20 anos de idade é inocente e foi confundido com o verdadeiro assaltante por causa de uma tatuagem. "A gente vem aos domingos para visitar nossos filhos. Não tem móveis aí dentro e comemos no chão com eles", acrescentou.
Com capacidade para aproximadamente 750 detentos, abriga 2.100 (Foto: Matheus Tagé/DL)
Um pai angustiado observava a fila do "jumbo" naquela manhã, do outro lado da rua, e chamou a reportagem para alertar sobre a situação dos presos. O filho dele de 26 anos é réu primário e foi condenado por roubo há seis anos de reclusão. Já cumpriu um ano e seis meses e, segundo ele, já deveria ter sido transferido para uma penitenciária e teria direito ao benefício de progressão de pena. "Ele deveria ter saído daí desde janeiro, mas até agora não deram nada. Advogado só enrola. A condição aí dentro é subumana. Além da falta de higiene e da comida estragada que dão pros presos, quando tem blitz nas celas, os agentes jogam tudo fora: comida, remédios e até as roupas deles quea gente traz", denunciou "Antonio" (nome fictício). "É humilhante a forma como os familiares são tratados aí dentro", complementou.
"No dia de visita, é humilhante. As agentes que nos revistam nos tratam mal, somos obrigadas a entrar de 15 em 15 para a revista, temos que tirar toda a roupa, ficamos nuas, e nos mandam agachar três vezes. Não cabem direito 15 mulheres na sala e não tem espaço para agachar quando elas mandam. É constrangedor. Até as crianças têm que tirar as roupas. Nem bebezinho escapa", disse a esposa de outro detento a quem vou chamar de "Carina" (nome fictício).
Uma mãe indignada também recorreu à Reportagem para denunciar que não pôde entregar medicamento para dor de cabeça ao seu filho. Com a receita passada por um médico em nome do detento, a mãe desabafa: "Meu filho está com dor de cabeça e febre, e não quiseram receber o remédio porque a data da receita é de dezembro. Mas está aqui a receita com o nome do médico e do meu filho como eles pedem. Lá dentro não tem nem Paracetamol. Agora eu vou ter que pedir outra receita com a data atualizada para poder entregar o remédio. Enquanto isso, o meu filho vai ficar doente aí dentro com dor", disse "Laura" (nome fictício).
"Meu filho está com sarna. A sarna está virando quase uma epidemia aí dentro", disse outro pai à Reportagem. O filho de "João" tem 20 anos e foi preso por roubo há sete meses.
As identidades dos familiares que fizeram todos esses relatos à Reportagem foram preservadas porque, segundo eles, quando dão entrevistas à imprensa ou denunciam os problemas que ocorrem dentro do CDP, seus entes que estão detidos são "castigados" e eles podem ter a visita suspensa por um mês. Todas as denúncias foram comunicadas à Secretaria de Administração Penitenciária do Governo do Estado, que nada respondeu a respeito, enviando apenas uma longa nota institucional sobre as medidas que pretendem implantar no sistema prisional em geral. Leia retranca a seguir.
"Tivemos acesso às celas e constatamos realmente um número excessivo de presos por cela. Celas com capacidade para 12 pessoas com 43. Pessoas com sarna, tuberculose, com câncer sem tratamento há seis meses, reclamando de ausência de tratamento médico, falta de condições de higiene, infelizmente não tem um médico no local, ausência de acompanhamento técnico de psicólogos e psquiatras. O CDP está com esse problema e ao que conseguimos auferir, é em todo o Estado de São Paulo", afirmou o presidente da OAB Santos, Rodrigo Julião.
Após as constatações, o presidente da OAB disse que entrará em contato com todas as autoridades competentes para solicitar soluções para os problemas urgentes. "Agora, vamos relatar toda essa diligência que foi realizada: falta de colchão, infiltração nas celas, questões básicas de saúde e alimentação. Vamos tomar as medidas cabíveis juntos às autoridades competentes, em especial o Governo do Estado, à concessionária que presta os serviços de alimentação - recebemos muitas reclamações sobre alimentação -, o juízo de execuções penais - tem muita gente reclamando de já ter preenchido o tempo do benefício e não ter o benefício concedido estando aqui de forma irregular, por tempo excessivo ao admitido na lei".
"Vamos tentar fazer com que se dê celeridade às questões emergenciais, onde envolve alimentação e tratamento de saúde e na morosidade na fase judicial das penas, para diminuir esse sofrimento das pessoas que estão aí dentro", disse Julião.
A OAB Santos também deverá representar as denúncias junto ao Minitério Público
Somente naquela manhã, duas viaturas trazendo novos detentos deram entrada no CDP (Foto: Matheus Tagé/DL)
Julião afirmou que hoje o Centro de Detenção Provisória de São Vicente abriga aproximadamente 2.138 detentos, sendo que a capacidade é para cerca de 750. "Em torno de 680 pessoas não deveriam estar aqui. Condenados e pessoas que já deveriam estar cumprindo pena no regime semiaberto".
SAP abrirá processo seletivo para contratar médicos
Procurada pela reportagem sobre as denúncias relatadas por familiares dos detentos e pelo presidente da OAB Santos, a Secretaria da Administração Penitenciária confirmou em nota a ausência de médicos no CDP de São Vicente e que vai abrir processo seletivo para contratação imediata.
"No momento a unidade encontra-se sem médicos em seu quadro de servidores, porém, para sanar a questão está sendo aberto Processo Seletivo para contratação imediata de médicos. Observamos que sempre que necessário os presos são encaminhados para consulta, acompanhamento e tratamento em hospitais e estabelecimentos do gênero, sendo que somente este ano foi realizada 206 apresentações. Destacamos também que é garantida ao preso toda medicação prescrita por médico. Observamos ainda que desde o início do ano, o CDP passa por reformas nos pavilhões e automação das celas", esclareceu a SAP em nota.
A SAP revela os números de presos no Estado. "Em 2011, tivemos uma média mensal de entradas de pessoas presas nas unidades da SAP de 8.447 por mês, no ano seguinte, esse número passou para 8.949 presos/mês. Fechamos o ano de 2013 com uma média mensal de inclusão de 9.411 pessoas. Até o dia 31/05/14 a média mês estava em 9.128 inclusões.
Mesmo descontando as pessoas que saem do sistema prisional, no período entre 01/01/2011 e 09/06/2014, a população carcerária do Estado aumentou em mais 46.096presos além do que já tinha, uma média de 36,70 presos ao dia. Nos três primeiros anos de gestão do Governo Alckmin (2011 a 2013) a média de crescimento anual ficou em cerca de 12 mil detentos.
Em 09/06/2014, tínhamos 216.925 presos sob custódia da SAP. Esse número equivale a cerca de 40% da população prisional do Brasil e cabe ressaltar que a população do estado de São Paulo equivale a 20% da do País.
A fim de amenizar a situação prisional atual, o Governo do Estado criou o Plano de Expansão das Unidades Prisionais do Estado. Dentro do Plano, já foram inauguradas 14 novas prisões: Centro de Detenção Provisória de Franca, Centro de Detenção Provisória de Jundiaí, Centro de Progressão Penitenciária de São José do Rio Preto, Penitenciária Feminina II de Tremembé, Penitenciária Feminina de Tupi Paulista, Centro de Detenção Provisória de Taiúva, Centro de Detenção Provisória de Pontal e Penitenciária Feminina de Pirajuí, Centro de Detenção Provisória de Capela do Alto, Penitenciária Masculina de Capela do Alto, Centro de Detenção Provisória de Cerqueira César, Penitenciária Masculina de Cerqueira César, Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis e Centro de Detenção Provisória de Riolândia.
Estão sendo construídas 11 unidades penais nas seguintes cidades: Bernardino de Campos, Taquarituba, Icém, Piracicaba, Porto Feliz, Mogi Guaçu, Mairinque, Votorantim, Guariba, Itatinga e Florínea.
A SAP também informa que há muito tempo vem solicitando à Defensoria Pública, a designação de defensores públicos para atuarem nos CDPs para dar celeridade aos julgamentos dos processos dos reclusos. "O ideal seria que em cada CDP, por onde os presos entram no sistema penitenciário paulista, houvesse um defensor público, para acompanhamento da situação processual do preso a partir da data de sua prisão, não depois de condenado. Além disso, para aqueles condenados que já teriam direito ao regime semiaberto ou até à liberdade, o Governo do Estado solicitou ao Poder Judiciário maior celeridade no julgamento dos benefícios daqueles que merecem."
Estado tem déficit de 100 mil vagas em presídios
O presidente do Conselho Penitenciário do Governo do Estado, Matheus Cury, atribui à superlotação no CDP de São Vicente a falta de presídios e à morosidade da Justiça. "Faltam estabelecimentos prisionais adequados para receber essa população. O que acontece é o seguinte: hoje, 35% da população carcerária é constituída por presos provisórios. É muito! Considerando o estado constitucional de inocência previsto na Constituição Federal e considerando que a prisão é medida de exceção e que o juiz tem alternativas à prisão provisória e à prisão preventiva e pouco aplica. O que contribui muito para essa superpopulação carcerária, além do alto número de presos provisórios, aqueles tantos condenados também que já teriam direito a um benefício como a progressão de regime e livramento condicional, mas que a demora na prestação jurisdicional compromete a concessão desses benefícios", afirmou Cury. "Benefícios que deveriam ser aprenciados em 10, 15 dias, por vezes, demoram seis, oito meses, um ano. Até lá, muitas vezes, o preso já cumpriu a pena de ponta a ponta", complementou.
"O maior problema hoje no sistema penitenciário vem do Judiciário, não da Admnistração Penitenciária. A Administração Penitenciária tem que cumprir a decisão judicial. Então, numa ponta nós temos a polícia que prende, numa outra ponta um juiz que mantém a prisão ou solta, um juiz de condena e absolve, um juiz que dá o benefício ou não. E a Administração Penitenciária tem que acolher aquele que é detido pela polícia e só pode soltar mediante uma autorização judicial. A Administração Penitenciária está no meio desses dois polos. Falta um pouco de sensibilidade dos magistrados na apreciação dos direitos subjetivos do acusado para conceder a liberdade, os benefícios, etc ", explicou Cury.
Segundo Cury, 620 presos abrigados no CDP de São Vicente são condenados. "De 2.100, 620 são condenados aguardando uma transferência para uma penitenciária. Muitas vezes, eles são transferidos para lugares longínquos, a 400 km, 500 km da família porque na região tem só a Penitenciária 1 de São Vicente que não comporta abrigar esses 620 presos condenados".
O cumprimento da pena do condenado só acontece a partir da transferência para uma penitenciária. "Mesmo com a decisão, precisa aguarda uma vaga para que o preso seja acolhido numa penitenciária e tenha condições de trabalhar e ter a remissão da pena a cada três dias de trabalho, receber pelo trabalho praticado para ajudar a família", explicou Cury.
O Estado hoje tem um déficit de 100 mil vagas em penitenciárias. "São 212 mil presos para quase 100 mil vagas. Se o número de presos provisórios deminuísse e se os benefícios fossem apreciados a tempo pelo poder judiciário, a população carcerária diminuiria sensivelmente".
Diariamente, o número de pessoas que ingressa no Centro de Detenção Provisória é cinco ou seis vezes maior do que o número de saídas. "Em cada CDP do Estado chegam cerca de 25 a 30 pessoas por dia e saem cerca de 5 ou 6. A cada dia, entram no sistema penitenciário 48 presos a mais. São dois presos a mais por hora, 1.200 presos a mais por mês. Para dar conta dessa população carcerária nova, precisaria construir dois CDPs por mês para manter a superpopulação". Esses números são de presos a mais, além da população já existente.
Questionado sobre o que impede a construção de novas unidades prisionais, Cury apontou que os prefeitos são constrários, mas que o Estado tem orçamento para essas obras. "Faltam áreas, mas muitas vezes se consegue a área, mas o município não colabora. Os prefeitos não querem um presídio na localidade e acabam entrando com ações civis públicas e os juízes acabam concedendo liminares para barrar a construção do presídio. Então, enquanto isso persistir, fica difícil atuar na construção de presídios, mesmo assim a secretaria vem investindo na área. Recurso tem".
Fonte: http://www.diariodolitoral.com.br/conteudo/36274-cdp-de-sao-vicente-o-carcere-do-inferno
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