12/08/2019 - 13h05min
FOLHAPRESS
Rogério Gentile
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Tribunal de Justiça de São Paulo lucra alguns milhões de reais todos os anos com atrasos que ocorrem no próprio tribunal para o pagamento de precatórios.
Precatório é uma ordem de pagamento que o Judiciário emite ao cobrar dívidas de municípios, estados e União após condenação definitiva. Podem ser "alimentares", quando se referem a salários, aposentadorias, pensões e indenizações por morte e invalidez, ou de "natureza comum", decorrentes de desapropriações de imóveis e tributos.
Historicamente, no Brasil, os governos levam anos, às vezes décadas, para depositar o pagamento de um precatório.
Em São Paulo, há um problema adicional. Mesmo após disponibilizados pelos entes públicos, os recursos são retidos por meses ou mesmo anos na Justiça paulista.
O TJ entende que é necessário verificar antes de liberar o dinheiro para o credor, e encaminha os casos ao chamado Upefaz (Unidade de Processamento das Execuções contra a Fazenda Pública).
Como os processos são muito antigos, esse departamento checa se o credor está vivo, se a conta bancária para o depósito ainda é a descrita nos autos e dá oportunidade para que as partes discutam se os montantes depositados foram corrigidos corretamente.
No ano passado, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) afirmou em relatório realizado após inspeção que essa prática do TJ é inconstitucional.
"Há um real descumprimento do texto constitucional por parte do TJ-SP ao transmudar o responsável pelo pagamento", diz o documento. Na ocasião, o CNJ declarou que nessa fase não cabe discussão posto que houve decisão definitiva. "Não há razão mínima ou mesmo justificativa plausível para a continuidade desse setor."
No período em que a checagem é feita pelo Upefaz, o dinheiro fica em contas especiais abertas no Banco do Brasil.
Em razão dessa captação, o banco remunera o tribunal em 0,28% ao mês sobre o valor do saldo depositado. Ou seja, quanto mais tempo retardar a liberação dos recursos para os credores, maior é a vantagem financeira do próprio TJ.
No ano passado, o governo paulista transferiu R$ 2,99 bilhões para pagamento de precatórios. Na prática, para cada mês em que esses valores ficaram retidos no banco, o tribunal recebeu R$ 8,4 milhões.
Além do governo paulista, estão na jurisdição do TJ paulista todas as prefeituras de São Paulo, autarquias, fundações e universidades públicas.
A reportagem solicitou ao TJ informações do valor total obtido em 2018 com a remuneração, mas não obteve resposta.
Essa receita abastece um fundo especial usado, entre outros fatores, para investir em aparelhamento tecnológico e obras no próprio tribunal.
O TJ afirma que os atrasos na liberação dos precatórios são um um problema, mas que é absurdo vinculá-los a essa remuneração e atribui a demora ao acúmulo de processos em São Paulo, responsável por metade dos R$ 100 bilhões de precatórios do país.
Consultados pela reportagem, profissionais que lidam com precatórios dizem que, como se referem a processos antigos, o TJ precisa de fato fazer diversas verificações para liberar os valores aos credores.
O problema, dizem, é o tempo que isso leva no estado. Consideram que, devido à desatualização dos dados nos processos e da falta de estrutura tecnológica do setor responsável pela liberação, em vez de um ou dois meses, é comum levar até dois anos.
É o caso da ação aberta por I.L.M. na qual solicitou em junho de 1995 o recálculo do benefício previdenciário pago pela Caixa Beneficente da Polícia Militar de São Paulo.
O processo foi julgado definitivamente em 1998. O estado disponibilizou os cerca de R$ 100 mil arbitrados pela Justiça apenas em 2017
Mesmo assim, como os valores ficaram retidos no TJ, a empresa que comprou os créditos dos herdeiros de I.L.M. só conseguiu sacar o dinheiro em julho deste ano.
No fim do semestre passado, Felipe Santa Cruz, presidente do conselho federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entrou com pedido de providências para o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins.
A OAB afirmou, no documento, haver uma "liberação fictícia" dos recursos para os credores e pediu que os contingenciamentos, tal qual ocorrem atualmente no TJ paulista, sejam proibidos. Ainda não houve decisão.
O desembargador Luiz Paulo Aliende Ribeiro diz ser uma "maldade enorme" relacionar os atrasos na liberação dos precatórios à remuneração que o TJ obtém no período em que os valores ficam retidos no Banco do Brasil.
"Se eu mandar você pegar uma pedra na Lua, você dirá que é impossível", afirma. "O mesmo ocorre aqui, queremos agilizar a liberação, mas ainda não conseguimos."
Segundo Ribeiro, que coordena a diretoria de execução de precatórios, os processos são muito antigos, há uma quantidade gigantesca de casos e é preciso checar diversos dados para que os pagamentos sejam feitos corretamente.
O desembargador diz que o TJ tem adotado procedimentos como a digitalização dos processos e a introdução de ferramentas tecnológicas que permitam a atualização prévia dos dados pelos credores.
"Estamos lidando com um problema de 30 anos que envolve milhares de processos".
Aliende Ribeiro diz acreditar que levará três ou quatro anos para regularizar a situação. "Eu quero cumprir com a minha obrigação, mas ainda é impossível fazer melhor."
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Tribunal de Justiça de São Paulo lucra alguns milhões de reais todos os anos com atrasos que ocorrem no próprio tribunal para o pagamento de precatórios.
Precatório é uma ordem de pagamento que o Judiciário emite ao cobrar dívidas de municípios, estados e União após condenação definitiva. Podem ser "alimentares", quando se referem a salários, aposentadorias, pensões e indenizações por morte e invalidez, ou de "natureza comum", decorrentes de desapropriações de imóveis e tributos.
Historicamente, no Brasil, os governos levam anos, às vezes décadas, para depositar o pagamento de um precatório.
Em São Paulo, há um problema adicional. Mesmo após disponibilizados pelos entes públicos, os recursos são retidos por meses ou mesmo anos na Justiça paulista.
O TJ entende que é necessário verificar antes de liberar o dinheiro para o credor, e encaminha os casos ao chamado Upefaz (Unidade de Processamento das Execuções contra a Fazenda Pública).
Como os processos são muito antigos, esse departamento checa se o credor está vivo, se a conta bancária para o depósito ainda é a descrita nos autos e dá oportunidade para que as partes discutam se os montantes depositados foram corrigidos corretamente.
No ano passado, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) afirmou em relatório realizado após inspeção que essa prática do TJ é inconstitucional.
"Há um real descumprimento do texto constitucional por parte do TJ-SP ao transmudar o responsável pelo pagamento", diz o documento. Na ocasião, o CNJ declarou que nessa fase não cabe discussão posto que houve decisão definitiva. "Não há razão mínima ou mesmo justificativa plausível para a continuidade desse setor."
No período em que a checagem é feita pelo Upefaz, o dinheiro fica em contas especiais abertas no Banco do Brasil.
Em razão dessa captação, o banco remunera o tribunal em 0,28% ao mês sobre o valor do saldo depositado. Ou seja, quanto mais tempo retardar a liberação dos recursos para os credores, maior é a vantagem financeira do próprio TJ.
No ano passado, o governo paulista transferiu R$ 2,99 bilhões para pagamento de precatórios. Na prática, para cada mês em que esses valores ficaram retidos no banco, o tribunal recebeu R$ 8,4 milhões.
Além do governo paulista, estão na jurisdição do TJ paulista todas as prefeituras de São Paulo, autarquias, fundações e universidades públicas.
A reportagem solicitou ao TJ informações do valor total obtido em 2018 com a remuneração, mas não obteve resposta.
Essa receita abastece um fundo especial usado, entre outros fatores, para investir em aparelhamento tecnológico e obras no próprio tribunal.
O TJ afirma que os atrasos na liberação dos precatórios são um um problema, mas que é absurdo vinculá-los a essa remuneração e atribui a demora ao acúmulo de processos em São Paulo, responsável por metade dos R$ 100 bilhões de precatórios do país.
Consultados pela reportagem, profissionais que lidam com precatórios dizem que, como se referem a processos antigos, o TJ precisa de fato fazer diversas verificações para liberar os valores aos credores.
O problema, dizem, é o tempo que isso leva no estado. Consideram que, devido à desatualização dos dados nos processos e da falta de estrutura tecnológica do setor responsável pela liberação, em vez de um ou dois meses, é comum levar até dois anos.
É o caso da ação aberta por I.L.M. na qual solicitou em junho de 1995 o recálculo do benefício previdenciário pago pela Caixa Beneficente da Polícia Militar de São Paulo.
O processo foi julgado definitivamente em 1998. O estado disponibilizou os cerca de R$ 100 mil arbitrados pela Justiça apenas em 2017
Mesmo assim, como os valores ficaram retidos no TJ, a empresa que comprou os créditos dos herdeiros de I.L.M. só conseguiu sacar o dinheiro em julho deste ano.
No fim do semestre passado, Felipe Santa Cruz, presidente do conselho federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entrou com pedido de providências para o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins.
A OAB afirmou, no documento, haver uma "liberação fictícia" dos recursos para os credores e pediu que os contingenciamentos, tal qual ocorrem atualmente no TJ paulista, sejam proibidos. Ainda não houve decisão.
OUTRO LADO
O desembargador Luiz Paulo Aliende Ribeiro diz ser uma "maldade enorme" relacionar os atrasos na liberação dos precatórios à remuneração que o TJ obtém no período em que os valores ficam retidos no Banco do Brasil.
"Se eu mandar você pegar uma pedra na Lua, você dirá que é impossível", afirma. "O mesmo ocorre aqui, queremos agilizar a liberação, mas ainda não conseguimos."
Segundo Ribeiro, que coordena a diretoria de execução de precatórios, os processos são muito antigos, há uma quantidade gigantesca de casos e é preciso checar diversos dados para que os pagamentos sejam feitos corretamente.
O desembargador diz que o TJ tem adotado procedimentos como a digitalização dos processos e a introdução de ferramentas tecnológicas que permitam a atualização prévia dos dados pelos credores.
"Estamos lidando com um problema de 30 anos que envolve milhares de processos".
Aliende Ribeiro diz acreditar que levará três ou quatro anos para regularizar a situação. "Eu quero cumprir com a minha obrigação, mas ainda é impossível fazer melhor."
Isso nosso governador não noticia né...
ResponderExcluir