09 dezembro 2017

Isto não é ficção - Marc Souza

Uma das poucas profissões pelas quais os profissionais vivem 24 horas por dia é a profissão de agente penitenciário.

Primeiro, porque um agente penitenciário sempre tem que estar a postos para qualquer eventualidade que possa ocorrer no seu local de trabalho, o que faz com que o mesmo seja convocado a qualquer hora do dia ou da noite.
Segundo, porque não basta tirar o uniforme. Um agente penitenciário é agente penitenciário 24 horas por dia. O perigo de exercer a função de agente penitenciário não está somente nas 12 horas que o mesmo presta serviços dentro das unidades prisionais, onde é refém da angústia, do risco de trabalhar com centenas e até de milhares de presos. Mas, fora dos muros dos presídios o agente continua sendo refém da mesma angústia.
Para um agente penitenciário, o perigo sempre está à espreita, afinal ele também é refém fora do local de trabalho, seja no caminho para casa, nos bancos, no supermercado ou nos momentos de lazer com a família.
Ser agente penitenciário é colocar a vida em risco 24 horas por dia, 365 dias no ano. É viver se equilibrando na fina linha do destino onde de um lado está a vida e do outro...
Era um dia comum, um dia, como outro qualquer. De madrugada, ele sai para o trabalho, de onde retornará apenas no início da noite.
Antes de sair de casa, beija sua esposa e os filhos levemente, para não acordá-los. E parte.
Não caminha nem por uma quadra quando uma moto com duas pessoas passa devagar.
Ao ver os olhos do carona ele sente seu sangue gelar.
Não sabe o que pensar, tampouco tem noção do que fazer.
De repente um calafrio sobe pela sua espinha deixando eriçados todos os pelos do seu corpo. Seus batimentos cardíacos aumentam de tal maneira que parece que o seu coração irá sair pela boca.
Sabe que há algo errado, já sentiu isso antes, e a sensação não é boa, algo está para acontecer. Algo muito ruim.
Logo à frente, o motociclista retorna. Ao ver tal atitude ele pensa em correr, mas sabe que não tem para onde correr. Procura esconder o rosto.
São cinco da manhã. A rua está praticamente deserta, não há ninguém além dele e das pessoas da motocicleta. Ele sabe que, se tentar voltar para a casa, poderá colocar a vida dos seus entes queridos em risco, então resolve continuar o seu caminho. Como se nada de anormal estivesse acontecendo.
O motociclista passa por ele bem devagar. Por mais que tente evitar, a troca de olhares é evidente, e mais uma vez ele sente a espinha gelar.
Sem alternativas, o agente continua o seu caminho sem sequer olhar para trás.
Ele anda dez, vinte, trinta metros e tudo parece ter voltado ao normal,
Aos poucos ele vai se acalmando. Logo, seus batimentos cardíacos também vão desacelerando.
O pior já passou, pensa.
Aliviado, crê que tudo não passou de má impressão, do resultado de anos vivendo no limite do stress por ameaças e terrorismo psicológico dentro e fora do local de trabalho, por várias tragédias ocorridas com companheiros de trabalho que ficaram marcadas em sua memória.
Então, uma pessoa lhe chama pelo nome.
Ao virar-se, vê novamente aquele olhar, mas desta vez este olhar não lhe causa frio na espinha ou qualquer tipo de sensação pelo corpo.
Não há tempo, pois o agente é alvejado por vários tiros de forma fria e covarde. Acusado de pecados nunca realizados, condenado por crimes nunca cometidos.
Essa história não é ficção. Anualmente, vários profissionais do sistema prisional do país vivem esta situação e poucos sobrevivem para contar a história. A grande maioria é assassinada fria e brutalmente ao ser reconhecida como parte do quadro de funcionários do sistema penitenciário em qualquer lugar que estejam. Pessoas marcadas pelo simples fato de exercerem uma profissão.
Pessoas que brutalmente se transformam em mais uma nota no obituário, pelo simples fato de serem agentes penitenciários.

Marc Souza


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